Sentença

Apuração do CNJ pode levar à demissão de juíza que proferiu sentença racista

“Ela não foi mais e nem menos racista que o Estado brasileiro”, avalia jurista da ABJD

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

Ouça o áudio:

Punição por sentença racista pode variar de uma advertência até a demissão da juíza, segundo a Lei Orgânica da Magistratura - Foto: TJ-PR/Arquivo Pessoal

A sentença assinada pela juíza Inês Marchaleck Zarpelon, da 1º Vara Criminal de Curitiba, na qual ela afirma que um dos réus integra um grupo criminoso “em razão de sua raça”, pode gerar a demissão da magistrada, como explica a jurista Vera Lúcia Santana Araújo, integrante da Executiva Nacional e da Secretaria de Diversidade da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD).

“A Lei Orgânica da Magistratura prevê desde advertência até a demissão. Naturalmente, isso terá que ser visto objetivamente nos autos, saber se ela tem algum antecedente no âmbito da corregedoria de seu estado", explica Araújo.

"Todo o respeito ao contraditório e o direito à defesa, que o judiciário do Paraná ganhou destaque internacional por não observar, no âmbito da Lava Jato, a gente espera que a magistrada encontre”, completa.

Saiba mais: Juíza diz em sentença que homem negro é criminoso "em razão da sua raça"

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) vai apurar a conduta de Zarpelon. O ministro Humberto Martins, corregedor nacional de justiça, acionou o órgão para que investigue se a magistrada feriu a Lei Orgânica da Magistratura (Loman).

Para a integrante da ABJD, Zarpelon reproduziu em sua sentença um comportamento comum na sociedade brasileira. “Aquela juíza expressou o racismo que orienta e preside o conjunto das relações sociais econômicas e políticas no Brasil. Ela não foi mais e nem menos racista que o Estado brasileiro. A Justiça nacional é profundamente racista. Isso se manifesta no cotidiano, basta olharmos o censo penitenciário dos estados.”

A Defensoria Pública do Paraná manifestou “estarrecimento” com o texto da sentença de Zarpelon, que condenou Natan Vieira da Paz, um homem negro de 48 anos, a 14 anos e dois meses de reclusão.

Ela não foi mais e nem menos racista que o Estado brasileiro.

“Não se pode tolerar, de nenhuma forma e de quem quer que seja, que a raça ou a cor da pele de uma pessoa seja motivo de valoração negativa ou influencie presunções sobre sua conduta e sua personalidade, tampouco que fundamente juízo condenatório ou maior repressão penal”, explicou, em nota, a Defensoria.

Em nota, a juíza se pediu “sinceras desculpas” e justificou o texto. “A frase que tem causado dubiedade quanto à existência de discriminação foi retirada de uma sentença proferida em processo de organização criminosa composta por pelo menos 09 (nove) pessoas que atuavam em praças públicas na cidade de Curitiba, praticando assaltos e furtos. Depois de investigação policial, parte da organização foi identificada e, após a instrução, todos foram condenados, independentemente de cor, em razão da prova existente nos autos”, finalizou a magistrada.

Edição: Rodrigo Chagas