O adeus a dom pedro

Casaldáliga será enterrado em cemitério de vítimas da grilagem de terras no MT

Amigos se despedem do religioso: "Pastor, profeta, poeta e um santo", disse Leonardo Boff sobre Dom Pedro Casaldáliga

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
Velório de Casaldáliga ocorre no Centro Comunitário Tia Irene da Prelazia de São Félix do Araguaia - CPT

O corpo de Dom Pedro Casaldáliga  está em São Félix do Araguaia, no Mato Grosso, onde está sendo velado até 8h desta quarta-feira (12). Uma missa precederá o sepultamento do religioso, marcado para 10h.

Foi Casaldáliga quem pediu para ser enterrado no “Cemitério Karajá”, como é chamada na região a área onde eram sepultados indígenas e trabalhadores sem terra que foram explorados e, muitas vezes, assassinados pelos grileiros de terras da região.

A situação dos trabalhadores e indígenas, oriundos de diversas partes do país, na região sempre mobilizou Casaldáliga, pela extrema pobreza e a violência a que eram submetidos pelos grandes fazendeiros, durante a ditadura militar. Essa cadeia de eventos foi amplamente denunciada pelo religioso.

Leia mais.: Dom Pedro Casaldáliga do Araguaia

Um dos expoentes da Teologia da Libertação, assim como Casaldáliga, Leonardo Boff lamentou a perda do amigo.

“Foi um grande pastor, que leva os seus fiéis para as paisagens verdejantes, participando de sua dor e de suas alegrias. É um profeta, que denuncia o latifúndio e anuncia a boa nova de Jesus, mas é um poeta, um poeta da altura de São João da Cruz. Pastor, profeta, poeta e um santo que nos recorda as virtudes do evangelho, da simplicidade e da paixão incondicional.”

É um profeta, que denuncia o latifúndio e anuncia a boa nova de Jesus.

Coordenador do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), João Pedro Stedile também lastimou a morte do religioso.

“Me sinto privilegiado por ter sido amigo do grande Dom Pedro Casaldaliga, um profeta e um personagem da história do Brasil que viveu coerentemente com as suas ideias e vivenciou o evangelho de sua forma. Dom Pedro esteve sempre comprometido com os trabalhadores, o povo, os indígenas, os sem terra, os quilombolas e quis viver como eles. Acima de tudo, nos ajudou a pensar a América Latina.”


O adeus a Dom Pedro respeita regras de distanciamento social / Fábio Garrido

Saúde

Casaldáliga morreu no último sábado (8), em Batatais, interior de São Paulo, onde estava internado desde o dia 4 de agosto para cuidar de um derrame pulmonar. O religioso convivia com o mal de Parkinson, que contribuiu para o agravamento de seu estado de saúde.

Grande defensor e exemplo de vida generosa na luta por um mundo melhor.

Durante sua internação, foram feitos quatro exames para detectar a contaminação por covid-19, mas todos deram negativo. Com a saúde fragilizada, o religioso respirava por aparelhos e recebia alimentação por uma sonda.

Releia.: Entrevista de Dom Pedro Casaldáliga ao Brasil de Fato em 2009

Sua morte gerou profunda comoção e manifestação de diversas personalidades, como o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que se manifestou nas redes sociais. “Nossa terra, nosso povo perde hoje um grande defensor e exemplo de vida generosa na luta por um mundo melhor, que nos fará muita falta.”

História

Nascido em uma aldeia nas imediações de Barcelona, na Espanha, em 1928, Dom Pedro Casaldáliga Plá é de família camponesa. Desembarcou no Brasil em 1968, em plena ditadura militar, e foi consagrado bispo em 1971, quando lançou a Carta Pastoral por Uma Igreja da Amazônia, em conflito com o latifúndio e a marginalização social.

O texto ficou conhecido nacional e internacionalmente e marcou o perfil do missionário como porta-voz de índios e agricultores.

O bispo também foi um dos fundadores do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e da Comissão Pastoral da Terra (CPT), que até hoje atua na defesa de indígenas, comunidades tradicionais e trabalhadores do campo.

Além de sua atuação junto aos pobres e em defesa da democracia, Casaldáliga também se destacou por suas poesias que abordam a urgência da reforma agrária e da luta contra o agronegócio.

Por onde passei, plantei a cerca farpada, plantei a queimada./

Por onde passei, plantei a morte matada. Por onde passei, matei a tribo calada,/

A roça suada, a terra esperada... Por onde passei, tendo tudo em lei, eu plantei o nada. (Confissão do latifúndio, de Dom Pedro Casaldáliga)

Edição: Rodrigo Chagas