Rio de Janeiro

23 anos sem ele

Artigo | O que nunca disse para Betinho

Herbert de Souza ficou conhecido no Brasil e no mundo por sua capacidade de reunir os diferentes em prol da luta comum

Brasil de Fato | Rio de Janeiro (RJ) |
O irmão do Henfil – o da música “O bêbado e a equilibrista”, de Aldir Blanc e João Bosco – Betinho empenhou-se na luta por um Brasil menos desigual - Divulgação

Conheci o sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, em 1987, quando entrei como estagiário no Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase), na época um sonho distante para muitos estudantes do subúrbio carioca que desejavam militar nas causas sociais, mas que precisavam de apoio financeiro para tal.

Como jovem negro, morador do Encantado, zona norte do Rio de Janeiro, posso afirmar que essa experiência mudou para sempre minha vida e minha trajetória profissional. Não estava no Brasil quando Betinho morreu, no dia 9 de agosto de 1997, há 23 anos, mas mesmo distante senti a perda de sua liderança única e inigualável.

Infelizmente, não tive como dizer pessoalmente a importância que seu modo incansável de defender os direitos humanos teve para mim e para o que me tornei. 

Betinho ficou conhecido em todo Brasil, e até no mundo, por sua grande capacidade de reunir diferentes setores da sociedade em prol de uma luta que para ele condicionaria a própria democracia. “A fome e a miséria são incompatíveis com os ideais de uma nação radicalmente democrática” – afirmava. 

Para ele, cinco princípios deveriam ser respeitados para que um país pudesse realmente se orgulhar diante do mundo: Igualdade, Liberdade, Diversidade, Solidariedade e Participação. Sem tais condições, caberia à sociedade civil cobrar incessantemente pela transformação dessa realidade. Aos governantes, caberia ouvir essas reivindicações e fazer com que fossem percebidas como prioridades. Fóruns, conselhos e outros espaços de reivindicação popular são exemplos bem-sucedidos dessa forma de atuar. 

Betinho incentivou como ninguém a participação cidadã. De líder estudantil, ainda em Belo Horizonte, em Minas Gerais; passando por sua resistência ao golpe militar de 1964, e até mesmo no exílio durante a ditadura militar, Betinho nunca deixou de acreditar na democracia.  E mesmo diante de uma repressão intensa, participou ativamente da campanha pela anistia política. 

De volta ao Brasil em 1979, o irmão do Henfil – o da música “O bêbado e a equilibrista”, de Aldir Blanc e João Bosco – Betinho empenhou-se na luta por eleições diretas e tornou-se, sem dúvida alguma, o primeiro intelectual e exilado a sair do campo acadêmico e ser reconhecido pelas populações mais pobres de todo o Brasil. 

Seu legado, além do próprio Ibase, Abia, Criar Brasil, Se Essa Rua Fosse Minha e Ação da Cidadania – ONGs criadas por ele – poderia ser representado por uma frase que lhe era recorrente:

Só a participação cidadã é capaz de mudar um país.

A Campanha contra a fome e a miséria, no início dos anos 1990, foi o maior exemplo de como Betinho soube usar seu enorme poder de mobilização para o bem comum. Milhares de comitês seguem até hoje a forma descentralizada e sem hierarquia de prestar assistência social e defender direitos. 

Diante dos desafios que hoje vivemos no Brasil, essa sua herança política precisa ser constantemente revisitada por todos e todas que acreditam na democracia e que lutam para que direitos arduamente conquistados não sejam perdidos. Não se trata de nostalgia mas sim de inspiração constante.  É isso que nós do Ibase temos procurado fazer.

Prestes a completar 40 anos de existência, optamos por trazer o nome e a imagem de Betinho para a nossa marca institucional. É nossa homenagem, nossa lembrança pelo 23º aniversário de sua morte, mas principalmente é nossa busca constante por manter viva sua história e sua importância para a cidadania no Brasil. 

Betinho não é o único brasileiro a representar o país que desejamos e pelo qual lutamos.

Existem cidadãs e cidadãos que deram sua vida por acreditar na liberdade e na luta democrática, com destaque para mulheres e negros que desde sempre tiveram que lutar pela sobrevivência, por educação, saúde e segurança e que até hoje são os que mais passam por violações de direitos. Esperamos que sejam todos e todas lembrados e homenageados, assim como lembramos de Betinho.  Daqui do Ibase, nós estamos fazendo a nossa parte.

*Athayde Motta é diretor-geral do Ibase e mestre em Antropologia pela Universidade do Texas, em Austin, EUA. Trabalhou também na Fundação Ford, na Oxfam Grã-Bretanha e no Fundo Baobá para Equidade Racial. Desde 2018, participa da direção executiva da Abong (Associação Brasileira de ONGs). Torce pelo GRES Portela, de Madureira, e é fã de Paulinho da Viola e da black music americana.

Edição: Mariana Pitasse