vigilância

Artigo | As gigantes digitais no banco dos réus, por Silvia Ribeiro

O monopólio da Amazon, Facebook, Google e Apple é apenas um dos lados obscuros do poder sem precedentes que elas detêm

Tradução: Luiza Mançano

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
Jeff Bezos, dono da Amazon, se tornou o homem mais rico do mundo durante a pandemia; na foto, ele presta depoimento no Congresso dos EUA - Getty Images/AFP

No dia 29 de julho, quatro das cinco maiores empresas tecnológicas do planeta, Google, Amazon, Facebook e Apple (GAFA) compareceram a uma audiência pública no Congresso dos Estados Unidos, acusadas de práticas de monopólio (truste) contra competidores menores, consumidores e usuários. Este aspecto fundamental das gigantes plataformas digitais é apenas um dos impactos negativos que caracterizam o poder econômico, político e social sem precedentes que elas detêm.

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O valor de mercado dessas quatro empresas juntas é, atualmente, mais de 5 trilhões de dólares. Junto com a Microsoft (GAFAM), elas estão entre as dez empresas com maior valor de capitalização de mercado do mundo e da história do capitalismo. Apple, Alphabet (dona do Google), Microsoft e Amazon, junto com as petroleiras Petrochina e Saudi Aramco, são as únicas seis companhias a nível global que superaram um trilhão de dólares em valor de mercado (trillion dollar companies, em inglês). O Facebok está cada vez mais próximo, avaliado em 633 bilhões de dólares, assim como as plataformas digitais chinesas Alibaba e Tencent.

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Na audiência que durou mais de cinco horas, os representantes da Google, Amazon, Facebook e Apple escutaram uma longa lista de questionamentos reunidos pela comissão antitruste, coordenada pelo democrata David Cicilline, após um ano de investigação e reunião de milhões de documentos. Jeff Bezos, fundador da Amazon, Marc Zuckeberg, fundador do Facebook (ambos entre os oito homens mais ricos do planeta), assim como o presidente executivo da Apple, Tim Cook, e o da Alphabet, Sundar Pichair, defenderam suas empresas diante de um muro de evidências que dificilmente poderiam contestar.

Os casos apresentados já eram conhecidos, mas não por isso menos graves. Por exemplo, foi demonstrado, a partir de e-mails, que o Facebook comprou o Instagram e o Whatsapp porque os considerava uma ameaça a seu controle dos usuários; algo que também foi feito pela Alphabet (Google) ao comprar o YouTube. Na audiência, também foi evidenciado que a Google rouba informações de empresas menores como, por exemplo, as resenhas no Yelp sobre restaurantes e que, diante desta reclamação, ameaçou retirar o site dos resultados de busca. A Google controla 90% das buscas online. Já as acusações à Apple giram em torno da impossibilidade de que seus usuários utilizem aplicativos de outros desenvolvedores.

A Amazon ultrapassou o Walmart no setor de varejo, o maior supermercado do mundo, desde 2019. Com a pandemia, seus lucros aumentaram exponencialmente, e Bezos se tornou o homem mais rico do mundo, com uma fortuna pessoal de 181 bilhões de dólares. O controle da Amazon sobre seus fornecedor é brutal, com o poder de levar à falência os que não podem ou não querem aceitar suas condições. Ficou claro que a Amazon também copia, fabrica com a sua marca e vende por um preço menos (a princípio) os produtos mais rentáveis de outras companhias, levando-as à bancarrota.

Além de tudo que foi dito antes, durante a sessão foi mencionada também  ainda que distante da verdadeira dimensão que tem –, a manipulação dos dados e informações com impactos políticos e discriminatórios. O que foi particular nesta audiência foi o alto nível de preparação da comissão antitruste, fazendo os executivos titubearem.

Há dois anos, Zuckeberg foi chamado pelo Congresso para prestar declarações sobre o “vazamento” (ou venda) dos dados de mais de 80 mihões de usuários do Facebook à empresa Cambridge Analytica, a partir dos quais a empresa e seus executivos influenciaram decisivamente, de forma aberta ou indireta, no resultado favorável à eleição de Trump e outros personagens “impossíveis”, como Jair Bolsonaro, no Brasil. Naquela ocasião, Zuckeberg manteve o controle do debate diante dos parlamentares que conheciam o tema superficialmente, e icou livre após pagar uma multa de bilhões de dólares, o que soa como uma alta quantia, mas que é muito menos que os lucros que obteve e ao aumento imediato de suas ações assim que saiu a sentença.

Chama a atenção que Microsoft e seu fundador, Bill Gates, não tenham sido convocados, já que, junto com a GAFA, eles controlam mais da metade do mercado global de plataformas digitais. Isso se deve ao fato da Microsoft ter sido convocada para uma audiência semelhante há 22 anos, para responder sobre seu monopólio no mercado de softwares, um processo que influenciou na estruturação da companhia e que supostamente teve que mudar alguns de seus planos, como, por exemplo, não desenvolver seus próprios aparelhos celulares. No entanto, a Microsoft e seu atual poder de nuvens de armazenamento, inteligência artificial e manipulação de dados massivos (Big Data) cumprem um papel fundamental no controle de economias e políticas, junto com os outros quatro monstros da digitalização.

O tema do controle monopólico de mercados é definidor, mas é apenas um dos aspectos cruciais que implicam estas novas formas de acumulação capitalista a partir da acumulação, manipulação e comercialização dos dados sobre a vida de todas e todos, que formam as bases do chamado “capitalismo de vigilância”. Um tema que devemos compreender e nos organizarmos coletivamente para enfrentar. Não se trata apenas das tecnologias digitais, mas sobre a digitalização ter entrado em todos os aspectos da vida produtiva e social. Uma contribuição interessante para este debate é a revista Internet Cidadã [em espanhol].

*Silvia Ribeiro é integrante do Grupo de Ação sobre Erosão, Tecnologia e Concentração (ETC).

Edição: Luiza Mançano