Ofício é o primeiro bem cultural imaterial registrado pelo Iphan
Paneleiras de Goiabeiras, é assim como são chamadas as mulheres que fabricam artesanalmente panelas de barro em Goiabeiras, bairro de Vitória (ES). A confecção de panelas de barro é uma tradição que já era praticada pelos povos originários da região desde antes da vinda dos portugueses ao Brasil.
O saber foi o primeiro bem cultural imaterial registrado pelo Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), em 2002.
O barro, matéria prima das panelas, é extraído do Vale do Mulembá, região de manguezais próxima ao bairro de Goiabeiras. Durante o processo, o material é amassado com os pés para, posteriormente, ser moldado com as mãos e ganhar o formato de panela.
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Os homens também participam da produção de panelas. Embora sejam minoria na confecção, são maioria no trabalho de extração da matéria prima do Vale do Mulembá — além do barro, são colhidas cascas do mangue-vermelho que dá a cor final para as panelas.
Tudo é feito com muito cuidado e respeito à natureza, já que um dos fundamentos da tradição é a preservação dos manguezais.
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De geração em geração
O conhecimento de como confeccionar uma panela é um saber passado oralmente entre gerações. A mãe paneleira ensina suas filhas, e depois ensina suas sobrinhas e suas netas, até que venha outra geração e repasse para a seguinte.
Berenicia Correa do Nascimento, 62 anos, presidenta da Associação das Paneleiras de Goiabeiras conta que em sua família a tradição é longa e vai se perpetuar.
“Sou neta, bisneta e filha de paneleira. Hoje trabalha eu, quatro irmãs e dois irmãos. Todos somos artesãos, fazemos panela de barro. É nosso meio de sobrevivência. Aprendemos com nossos pais, avós, bisavós, tios, tias, tudo trabalham com panela de barro.”
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De acordo com o Iphan, mais de 120 famílias vivem da produção de panelas de barro em Goiabeiras. Somente na Associação de Paneleiras de Goiabeiras, a presidenta afirma que trabalham mais de 56 pessoas, dentre ajudantes e paneleiras.
Na panela de barro o sangue já corre na veia. A gente já nasceu com a mãe fazendo, a vó e o pai tirando barro.
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“Eu comecei a fazer fazendo o que? Panelinha pequenininha, panelinha para poder brincar, porque nós não tínhamos condições de comprar brinquedo. [...] Aí um dia, um comprador chegou aqui, e minhas panelas feia, torta, mas ele achou a coisa mais linda! Aí ele comprou o que eu tinha feito tudinho… foi o que me incentivou mais ainda! Se comprou, é porque eu tô sabendo fazer. Me incentivou, e aí eu mergulhei de cabeça em fazer a panela de barro. Mas a panela de barro o sangue já corre na veia. A gente já nasceu com a mãe fazendo, a vó e o pai tirando barro. Meu pai faleceu lá dentro do vale [do Mulembá] retirando barro.”
A Associação de Paneleiras de Goiabeiras foi uma conquista que valorizou e melhorou as condições das trabalhadoras e trabalhadores. No grupo, diariamente dezenas de famílias se reúnem para confeccionar panelas e conquistar seu sustento financeiro.
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O balcão da Associação de Paneleiras foi fechado durante 4 meses devido à pandemia do coronavírus. O isolamento social afetou drasticamente a produção de panelas e o retorno financeiro dos artesãos. Famílias que antes vendiam 20 panelas por semana, hoje chegam a não vender nem 3 panelas.
"Foi um impacto muito grande. Tivemos que voltar para casa, voltar 28 anos atrás, voltar para trabalhar no quintal de casa, sem turista, sem venda. Coisa muito ruim, porque o nosso meio de sobrevivência é panela de barro. E para nós, essa pandemia nos acabou. Agora estamos nos reerguendo, mas também tem um porém: as paneleiras do grupo de risco não podem trabalhar, e maioria delas faz parte."
Os paneleiros de goiabeiras
Carlos Barbosa dos Santos, mais conhecido como Carlinhos, é artesão há mais de 30 anos. Assim como Berenicia, Carlinhos aprendeu com seus familiares a produzir uma panela de barro.
Família de Carlos retirando barro para as panelas - Carlos é o primeiro (esquerda-direita) / Foto: Acervo pessoal/Carlos Barbosa dos Santos
“A panela para ficar pronta demora de 6 a 7 dias. Primeiro vai lá tirar o barro, depois vem, pisa o barro todinho para tirar o excesso de pedra, mato, folhas. E depois vamos para a bancada para fazer a panela. É tudo com a mão, com a mão e a cuia.”
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Carlinhos tem uma página no Instagram onde é possível conhecer mais sobre a legítima panela de barro e adquirir uma. As confecções são enviadas para todo o Brasil.
Na panela de barro, tudo que você cozinhar terá um sabor diferenciado, garantem os artesãos. Mas ao recomendar uma receita, a escolha foi unânime entre paneleiras e paneleiros: a Moqueca Capixaba.
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“Aqui tem até um ditado popular, quem fez essa frase foi o Cacau Monjardim: moqueca só capixaba, o resto é peixada!”
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Cacau Monjardim é considerado o embaixador e grande divulgador da Moqueca Capixaba, prato típico do Espírito Santo. No estado, a receita ganhou uma data de celebração, dia 30 de setembro, que foi escolhida por ser aniversário de Cacau Monjardim.
Edição: Lucas Weber