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Artigo | Colômbia: Álvaro Uribe contra as cordas da Justiça

A decisão da prisão preventiva do ex-presidente representa uma esperança para as vítimas do paramilitarismo

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O senador e ex-presidente colombiano Álvaro Uribe teve sua prisão decretada na última quarta (5) por suborno e fraude processual - Joaquín Sarmiento/AFP

A ordem judicial de prisão preventiva pelo suposto crime de fraude processual e suborno no processo penal que o ex-presidente Álvaro Uribe Vélez enfrenta na Corte Suprema de Justiça de Colômbia (CSJ) é o resultado de sua própria ambição de perseguição contra a oposição política, neste caso, contra Iván Cepeda Castro, perseverante defensor de direitos humanos e atual senador do Polo Democrático Alternativo (PDA).

Esta decisão ocorre após magistrados considerarem que contam com elementos materiais comprovatórios suficientes para inferir que Uribe poderia obstruir investigação contra ele, formalmente iniciada em julho de 2018. O processo jurídico tem uma origem paradoxal: Uribe denunciou Iván Cepeda, em 2012, depois de o defensor dos direitos humanos entrevistar, nos centros de detenção, diversos paramilitares condenados. Mas apesar da sua tentativa de prejudicar judicial e disciplinarmente o senador Cepeda, Uribe passou a ser investigado e agora está privado de liberdade.

Cepeda comemorou a decisão e manifestou a importância da independência na divisão de poderes para que não existam políticos intocáveis, que passem por cima das instituições. Por sua vez, ele também fez um chamado para que a população mantenha serenidade, acompanhando o caminho jurídico na continuidade do caso, que passará agora passa à Sala de Primeira Instância da CSJ.

Os magistrados encarregados reuniram materiais abundantes de interceptações telefônicas, documentos e depoimentos, para considerar que o advogado Diego Cadena, representante de Uribe, entregou dinheiro ao ex-paramilitar Juan Diego Monsalve (uma das principais testemunhas, sentenciado a 40 anos) para que fizesse declarações contra Cepeda. Cadena, que também é conhecido por defender narcotraficantes, reconheceu a entrega de dinheiro ao paramilitar, mas como parte de uma “ajuda humanitária”. O advogado pode receber nos próximos dias a mesma medida judicial que Uribe.


Cartaz em manifestação na Colômbia onde se lê: "busca-se paramilitar narcotraficante", com foto do ex-presidente Uribe / La tinta

Também está envolvido no caso o parlamentar Álvaro Hernán Prada, do Centro Democrático (CD), considerado cúmplice de Uribe pelo Poder Judiciário. Prada, que poderá se defender em liberdade, é investigado por pressionar o ex-paramilitar Carlos López para que favorecesse a Uribe e a seu irmão, o fazendeiro Santiago Uribe Vélez, em seus depoimentos. O irmão do ex-presidente carrega também um processo judicial por uma possível participação na criação do grupo paramilitar “os 12 Apóstolos”, acusado de cometer cerca 300 assassinatos entre 1990 e 1994 em Antioquia, na Colômbia.

A decisão é fruto de uma entre as mais de 100 investigações contra Uribe que avançam a passo lento entre a Comissão de Investigação e Acusações da Câmara de Representantes (conhecida como “comissão de absolvições” e a CSJ. Em sua maioria, são inquéritos preliminares por supostos delitos relacionados a massacres paramilitares, interceptações ilegais, manipulação de depoimentos, ligações com o narcotráfico, entre outros.

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A diferença entre os dois estamentos é que no primeiro estão as investigações por crimes que poderia ter cometido no marco de seus dois períodos presidenciais (2002 – 2006, 2006 – 2010), onde se aplica o foro presidencial, enquanto na CSJ se encontram as investigações realizadas enquanto era senador. Se for condenado, Uribe poderia receber uma pena entre 6 e 12 anos de prisão, segundo De ser condenado, Uribe recebera uma pena entre seis e doze anos de prisão, segundo o ordenamento jurídico colombiano.

Cabe ressaltar que uma parte importante de seus ministros durante seu período de governo, assim como parlamentares e alguns familiares, estão presos ou foragidos por diferentes crimes. Uribe costuma dizer que não tem informações sobre as ações de seus co-partidários, ainda que eles geralmente caiam tentando beneficiá-lo. Um dos casos em que isso foi comprovado foi a reforma constitucional aprovada pelo Congresso para que Uribe pudesse ser reeleito como presidente em 2006, reforma que levou à prisão dos congressistas Teolindo Avendaño e Yidis Medina por aceitar as vantagens oferecidas para a votação da reforma. Para Uribe, por sua vez, esta reforma o levou à reeleição presidencial.

Neste caso, ainda que o governo do atual presidente Iván Duque assuma a pose de que tudo está bem, apoiado em seu investimento milionário em publicidade e propaganda, na verdade, ele está cada vez mais enfraquecido. As denúncias e evidências por compra de votos nas últimas campanhas eleitorais, em aliança com narcotraficantes como “Ñeñe” Hernández, mostra a ilegitimidade do governo nacional e do partido Centro Democrático. A brutalidade policial, o assassinato seletivo de centenas de líderes sociais e ex-guerrilheiros signatários do Acordo de Paz, a permanente violação dos direitos humanos nas comunidades camponesas e indígenas por parte do exército, somado à perversidade com que tem gerido a emergência provocada pela pandemia do coronavírus, poderia significar, em 2022, a eleição de uma forca política alternativa pela primeira vez.


O ex-presidente e senador Álvaro Uribe o atual presidente Iván Duque / Raul Arboleda/AFP

À impresentável defesa do presidente Duque, que antes e depois do anúncio oficial do CSJ, catalogou Uribe como seu “mentor exemplar”, “amigo no qual ele acreditará eternamente” e “funcionário público honorável e ser humano íntegro”, podemos somar os delirantes pronunciamentos da senadora Paloma Valencia, uma das uribistas mais devotas e possível candidata presidencial em 2022. Para Valencia, a medida de segurança contra Uribe foi negociada em Cuba entre as FARC-EP e o governo de Juan Manuel Santos, além de ser, segundo ela, o reflexo dos desejos de Hugo Chávez, da esquerda radical e do socialismo do século XXI. Este assunto simplesmente não precisaria ser levado a sério, se não fosse pelo fato de que, sob estas mentiras e discursos de ódio, eles conseguiram se impor no plebiscito pela paz em 2016 e “ganhar” as eleições presidenciais de 2018. A representante Paola Olguín foi mais longe ainda e teve o disparate de convocar a reserva ativa do Exército a se rebelar.

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Estes pronunciamentos vão de acordo ao apoio incondicional de banqueiros e distintas instituições econômicas que, com a ajuda dos meios de comunicação corporativos, funcionam como caixa de ressonância do uribismo para ressaltar as “conquistas da segurança democrática” e assim engrandecer sua essência de redentor da pátria.

A extrema direita contra-ataca executando sua nova estratégia para defender o chefe político, até ontem imaculado, mas detido nessa quarta-feira em sua fazenda de 1.500 hectares. Esta nova estratégia é a vitimização, em especial, a familiar; e uma arriscada corrida para reformar o Poder Judiciário buscando eliminar o funcionamento atual da Suprema Corte. Dito de outro modo, uma reforma judiciária cujo principal objetivo seria minar a divisão de poderes para poder concentrá-lo e manipulá-lo de acordo com sua própria vontade, sem correr os riscos que assumem hoje.

A prisão preventiva de Uribe significa um precedente positivo em matéria política e penal, e é natural que milhares de personas celebrem a decisão. Por exemplo, algumas mães que perderam a seus filhos nas mãos do Exército não ocultaram sua felicidade e a tornaram pública, ainda que este processo não seja pelas execuções extra-judiciais (falsos positivos). Em todo caso, é recomendável manter os pés na terra e não criar falsas expectativas, pois o sistema judiciário que hoje oferece a Uribe todas as garantias do direito, com atuações importantes como as do magistrado Cesar Reyes, é o mesmo sistema que em todas as demais ocasiões o protegeu de uma maneira diferente, permeada por ameaças, assassinatos de testemunhas, a entrega de presentes, a perseguição política baseada em esquemas judiciais e os cartéis que operam no submundo dos tribunais, onde são movimentados milhões por debaixo da mesa.

Está em curso um debate interessante, radicado em uma opção que ainda é pouco provável: se Uribe tentar se beneficiar da Jurisdição Especial para a Paz (JEP) para obter alguma sanção diferente de uma sanção ordinária, teria que contribuir com o processo de verdade, justiça e reparação no marco do conflito armado, justamente ao qual ele se dedicou para impedir, afirmando que a JEP significaria, sobretudo, impunidade para as FARC.

Nesse sentido, a atuação da CSJ só pode ser socialmente bem-sucedida se estiver acompanhada de uma mobilização massiva, o que não só ameaçaria definitivamente o futuro de Uribe como líder político, mas também a própria existência do Centro Democrático, ao menos em relação à sua narrativa beligerante e sua faceta mais autoritária. Cabe ressaltar que a retórica da guerra que possibilitou os resultados eleitorais deste campo nos últimos 20 anos, representa hoje um recurso ideológico desgastado.

Ainda levará um tempo até que a Corte tome uma decisão final. Ainda assim, parte importante do país comemora os avanços. Talvez não seja ingenuidade nem conformismo, mas a necessidade de alguma alegria em meio a tanta dor. Por ora, o certo é que o uribismo recebeu um importante pancada moral, ainda que continue vivo como forca política e procure refundar-se para não se precipitar sobre sua própria decadência.

*Sergio Segura é jornalista e doutorando na área de Direitos Humanos na Universidade de Lanús, na Argentina.

**Tradução para o português por Pato Marinera.