AUTOGESTÃO

Entregadores antifascistas buscam criar cooperativa com aplicativo próprio

Ideia já dá seus primeiros passos no Rio de Janeiro e deve crescer no país

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

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Integrante do grupo Entregadores Antifascistas explica os desafios colocados para as entregas sem depender das plataformas multinacionais - Foto: Julia Thompson/Renato Maretti

Sujeitos a precárias condições de trabalho com as entregas feitas por meio das grandes plataformas de delivery, motoboys do Entregadores Antifascistas estão se articulando para construir uma outra forma de trabalho. Mais justa, com melhores remunerações e sem patrão.

Impulsionados pelas duas edições do “Breque dos Apps”, paralisação dos trabalhadores contra os aplicativos como Ifood, Uber Eats, Rappi e Loggi, integrantes do grupo estão colocando em prática a construção de uma cooperativa.

Segundo Alvaro Pereira, uma frente de trabalho auto-organizada pelos motoboys sempre esteve no horizonte dos Entregadores Antifascistas. Com o incentivo das paralisações, os primeiros passos da Despatronados começaram a ser trilhados.

Até o momento, o coletivo conta com 15 entregadores que atuam por fora dos aplicativos e apenas no Rio de Janeiro. A maioria utiliza as bikes como meio de transporte. 

“Vamos dizer que é uma protocooperativa. Temos um site que direciona o cliente para nosso número no Whatsapp, onde os entregadores ficam de olho. É uma base para sabermos o que vamos enfrentar pela frente. A ideia do cooperativismo se faz mais do que necessária no momento”, explica Pereira.

Como funciona?

No site oficial, a iniciativa disponibiliza uma rede direta de contato, sem intermediadores, e outras informações como área de cobertura e tipos de entregas realizadas. O serviço deve ser agendado com um dia de antecedência.

As taxas do delivery foram decididas e estipuladas coletivamente. São R$15 para retirada e entrega até 5 km, com R$1 adicional por km percorrido. Há também algumas regras como adicional noturno e, no caso da demora do cliente na retirada ou entrega do pedido, uma taxa de R$5 é cobrada a cada 5 minutos. 

Desde 21 de julho, quando o site entrou no ar, 36 pessoas se inscreveram interessadas em entrar no coletivo. A rede já tem 190 clientes cadastrados. 

Alvaro Pereira ressalta a importância da disciplina no processo de autogestão. “A Despatronados é organizada como uma alternativa mais justa para nós, trabalhadores, e para os clientes. E temos a necessidade de cuidar coletivamente dos próprios trabalhos. Essa ideia de cooperativismo influi muito em coletivo. Orientações que ficam por fora dos aplicativos”, comenta.

O entregador do coletivo critica a postura das plataformas, que, para ele, por visarem apenas o lucro, não atenderão as demandas diretas do Breques dos Apps. 

“Se mudar alguma coisa, eles vão achar outro modo formal de continuar explorando o trabalhador e jogando esse plano de empreendedorismo É um discurso mentiroso. É a maior lenda urbana atual”, defende o jovem.


Sem patrão, com remuneração justa: Coletivo de entregas Despatronados é uma ideia dos Entregadores Antifascistas / Foto: Julia Thompson/Renato Maretti

App próprio

Embora tenham grandes expectativas, os entregadores ainda estão analisando todos os documentos e orientações jurídicas necessárias para que a cooperativa de fato saia do papel e deixe de ser apenas um coletivo local. 

Os planos para que o trabalho da futura cooperativa se espalhe pelo país envolve o desenvolvimento de um aplicativo próprio, inspirado em outras experiências internacionais de cooperativismo. 

O contato com a CoopCycle, uma federação que reúne 30 cooperativas, por exemplo, já foi iniciado. O objetivo é desenvolver a versão em português do software de um aplicativos da organização, com adaptação da plataforma para um sistema de pagamentos que opere no Brasil. 

“É o cooperativismo de plataforma. Estamos em uma era tecnológica. A tecnologia não é ruim, o problema é a ideologia por trás dela. Estamos com uma equipe bem bacana nos ajudando na ideia. É uma forma mais igualitária e justa de trabalho”, diz Pereira.

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O entregador afirma ainda que é preciso finalizar algumas negociações para que o projeto de fato aconteça. Por ter a preservação do meio ambiente como uma prioridade, por exemplo, o aplicativo desenvolvido pela CoopCycle não permite cooperados com entregas via motocicletas.

Apesar de reconhecerem a importância da pauta, os Entregadores Antifascistas tentam a flexibilização por conta da realidade de deslocamento das cidades brasileiras. 

“Vamos mostrar para eles que aqui se faz necessário e, a partir disso, conseguir colocar o aplicativo para funcionar. A proposta principal é a melhoria das condições de trabalho por meio do coletivismo e cooperatismo. Não é ficar rico. É valorizar a luta do entregador, o trabalho do entregador. O que as empresas e os aplicativos não valorizam”, frisa o entregador, que faz suas entregas com uma bicicleta.

O grupo, que também conta com apoio voluntário de programadores e estudiosos do cooperativismo de plataforma para avançar no projeto, tem recebido retorno positivo de outros entregadores. 

“É sem patrão e com a galera tendo consciência. Apresentamos [a ideia] para aqueles que, em sua maioria foram bloqueados, que tiveram a moral ferida pelos aplicativos. Nós mostramos: 'olha o que a gente pode fazer, olha o que o trabalhador é capaz, o que podemos conseguir'. Eles não são melhores que a gente. Se não fossem os trabalhadores, os aplicativos não existiriam”, critica Pereira. 

“Não precisamos deles também. Eles se aproveitam da crise para se impor como salvadores e o Brasil te empurra pra essa situação. Mas se o trabalhador se organizar e criar da sua cabeça o que é a autogestão, ele vai ver que não precisa dos aplicativos”, reitera. 

Novo breque?

Enquanto os Entregadores Antifascistas tentam se apropriar dos algorítimos para usá-los a favor dos trabalhadores, motoboys ouvidos pelo Brasil de Fato nesta semana afirmam que há em curso uma articulação para que uma nova paralisação contra os apps aconteça no início de setembro, concentrando os motoboys na Praça dos Três Poderes, em Brasília.

A ideia, que já conta com grande apoio dos trabalhadores que atuam na capital federal, é que os custos do deslocamento coletivo sejam bancados por meio de uma arrecadação virtual. Os detalhes serão afinados em reuniões nos próximos dias, mas a previsão é que a mobilização aconteça no início de agosto. 

As demandas seguem as mesma do 1º Breque dos Apps: uma remuneração mais justa por meio do estabelecimento de uma taxa mínima por corrida maior do que a atual, assim como o pagamento padronizado por quilometragem percorrida. 


Segundo "Breque dos Apps" concentrou entregadores no Estádio do Pacaembu, em São Paulo (Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil)

A suspensão imediata de bloqueios sem justificativa, que segundo os organizadores da greve são realizados frequentemente pelas empresas, também é uma das principais demandas. Até o momento, os organizadores dos Breques afirmam que as empresas não abriram diálogo com os entregadores.

O entregador antifascista Alvaro Pereira critica enfaticamente a falta de resposta das plataformas.

“Os aplicativos te acolhem e depois te engolem. O Ifood fez comercial em horário nobre para falar do respeito ao entregador. É mentira isso. Se eles dessem direito pro entregador, não haveria necessidade de uma segunda greve. Não haveria necessidade de gastar tanto para comercial em horário nobre. Esse dinheiro poderia, por exemplo, ser revertido pro entregador, para compra de equipamento de EPI em meio à pandemia”, defende.

Edição: Rodrigo Durão Coelho