Rio Grande do Sul

Pesquisa

Professor Raoni Rajão coordena estudo no Brasil sobre as maçãs podres do agronegócio

Mais de um quinto da carne e da soja que são exportadas para a União Europeia tem origem em desmatamento ilegal

Brasil de Fato | Porto Alegre |
O cacique Raoni conversa com Raoni Rajão, da UFMG, durante a COP23 - Maria Paula Fernandes/Uma Gota no Oceano

Estes dados foram publicados pela revista Science, num artigo assinado por diversos pesquisadores internacionais, entre eles, o professor Raoni Rajão* da Universidade Federal de Minas Gerais. Segundo o estudo, 20% das exportações de soja e pelo menos 17% das exportações de carne vindas dos dois biomas podem estar associadas ao desmatamento ilegal. Eles também dizem que a maior parte da produção agropecuária do país não está associada a esse desmatamento, mas ao ficar calado o setor torna-se cúmplice desses dois por cento de criminosos.

Essa atividade vem sendo cada vez mais facilitada pelo atual governo. Depois que o ministro do Meio Ambiente anunciou que “aproveitando a pandemia que atrai a atenção da imprensa devemos passar a boiada”, aumentaram. Nesta quarta-feira (29), a Rede Globo anunciou que foram modificadas cerca de 160 normas ambientais do país, facilitando a vida de grileiros e desmatadores. O trabalho efetuado e a qualificação dos pesquisadores nos leva a uma reflexão sobre o assunto. Ele mostra que é fácil identificar os desmatadores e com vontade política esta situação poderá ser modificada.

Brasil de Fato RS entrevistou ao professor Raoni Rajão que conduziu a pesquisa no Brasil.

Brasil de Fato RS - O artigo “As maçãs podres do agronegócio no Brasil” explica alguma metodologia para identificar quem realmente comete o crime do desmatamento prejudicando as vendas da principal commodities brasileira no mercado europeu?

Raoni Rajão - O artigo parte de uma modelagem, espacialmente explícita que cruza os dados do Cadastro Ambiental Rural, onde tem o perímetro do imóvel  rural com dados que provem de imagens de satélite que mostram o uso da terra, se a área já foi desmatada ou não, se tem vegetação nativa. E em cima deste dado espacial aplica as regras do Código Ambiental Rural e verifica se existe a mata ciliar em torno dos rios, se foi respeitada a reserva legal.

O que o estudo aponta como sendo potencialmente ilegal é aquele desmatamento que ocorre pós-2008 e que não respeita as regras de reserva legal. A gente diz potencialmente porque, obviamente, existem situações particulares e se precisa de uma análise que vem de um órgão ambiental que pode considerar uma série de fatores antes de dar uma licença ambiental. Porque o desmatamento só é legal a partir do momento em que ele tem uma licença. Por isso, também da mesma forma, quando o desmatamento ocorre em uma área em que tenha excedente de reserva legal, nós consideramos potencialmente legal.

BdFRS - Quem seriam estas maçãs podres? Elas contaminariam, de alguma forma toda a imagem do agronegócio brasileiro?

Raoni - Nós acreditamos que o artigo, por si só, não atrapalha necessariamente a relação com outros países. O que deflagrou esta crise entre as relações que piorou nos últimos anos, tem sido o aumento constante no desmatamento. O que o artigo faz, por outro lado, é dar a real dimensão entre desmatamento e produção agropecuária, mostrando que não é toda a produção agropecuária que está ligada ao desmatamento, mas também não é zero, existem problemas ali para serem resolvidos, mas mostrando também que tem instrumentos para encontrar a solução. Porque caso não se consiga demonstrar isso, o risco maior é cortarem todas as compras de nossa produção. Os errados estarão sendo colocados fora do mercado, mas também os que produzem dentro da lei serão eliminados.

BdFRS - Somente 20 por cento das exportações de soja e carne são produzidas em áreas desmatadas? Originalmente ou podem ter sido desmatadas antes?

Raoni - O que o estudo identifica é que existe um número muito pequeno de produtores fazendo desmatamento. Ou seja, dois por cento que são responsáveis por mais de 60% de todo o desmatamento ilegal visto no CAR, no Pará e nos biomas Amazônia e Cerrado que são, de certa forma, as maças podres e que estão criando problemas para todo o setor. Para poder calcular a relação entre desmatamento, produção e exportação, partimos da produção do imóvel e somente quando existe. Voltando para trás partimos de uma análise da situação do imóvel para saber se houve ou não desmatamento no imóvel, mas nós sabemos que existem muitos imóveis que desmatam, mas que não têm evidencia de produção concreta.

Às vezes é uma produção e uma pecuária de baixíssima produtividade que não está vinculada ao resto da cadeia e não está ligada à exportação. Por isso que nós só consideramos enquanto área produtiva, que faz parte da cadeia, aquele imóvel específico onde vemos uma transação, uma venda de gado saindo daquele imóvel e indo nos diferentes elos da cadeia até o abate. O mesmo fazemos em relação a soja, só consideramos um imóvel produtor de soja quando observamos efetivamente por meio de dados provindos de fotos de satélite, que tem uma lavoura de soja naquela propriedade.

A lógica é a de que como o Código Florestal estabelece que o imóvel tem que seguir a legislação se o desmatamento potencialmente ilegal acontece no imóvel, nós então consideramos que aquele imóvel está produzindo um produto, ou soja ou carne, contaminado com este desmatamento. Então não estamos falando de uma área que é desmatada para a expansão direta da soja. Pode até ser que tenha sido desmatado e colocado uma outra atividade ali dentro, por exemplo, algodão, ou até mesmo a produção de gado. Mas se aquela fazenda está produzindo soja e está sendo desmatada ou foi desmatada ilegalmente, nós consideramos que aquela soja está contaminada com o desmatamento ilegal.

BdFRS - Seriam as áreas de pecuária e suas grandes pastagens, precursoras das grandes lavouras, as principais responsáveis pelo desmatamento na Amazônia e no Cerrado?

Raoni - Nós observamos sim, nos estados do Pará e Mato Grosso, um nível de vinculação com o desmatamento com as áreas de pecuária menor do que com as áreas de soja. A área de pecuária tem por volta de 12% da produção que está vinculada, que desmatou diretamente e forneceu esta carne na última etapa para os frigoríficos. Mas existe toda uma cadeia de responsáveis pela cria e recria que contribuem com 48% do desmatamento, totalizando aí 60% de contaminação nestes dois estados.

É claro que depois, como o estudo não consegue observar por falta de dados a situação da produção pecuária nos demais estados da Amazônia e do Cerrado, nós consideramos zero contaminação e é por isso que as exportações e a vinculação entre produção e exportação dos dois biomas chega somente a 12% para a União Europeia. Mas no geral existe um nível de ilegalidade maior que mostra que o desafio é maior.

Já na produção de soja nos encontramos esses 20%, porque algumas dessas áreas são realmente áreas muito grandes, com desmatamentos de até 5 mil, 7 mil hectares nesses imóveis produtores de soja que vai além da reserva legal. Mas na outra ponta existe também um grande número de áreas desmatadas que são relativamente pequenas, acima de seis que é o corte mínimo do estudo, mas significa que com um esforço não tão grande de regularização seria possível se regularizar e lidar com a irregularidade desses imóveis também.

BdFRS - De que forma as lavouras poderiam contribuir para a manutenção do equilíbrio e de conter o desmatamento que cresce anualmente?

Raoni - Eu acho que o mais importante é um posicionamento do setor. Porque o que nós temos visto infelizmente é que é um setor que com raras exceções assume uma posição. Uma das exceções é a Associação Brasileira do Agronegócio que lançou uma campanha: “Seja legal com a Amazônia”, por exemplo em coalizão com a agricultura, floresta e clima. E que mostra que o setor tem que se mobilizar contra as ilegalidades no campo sim. Mas a meu ver é uma minoria, existe uma quantidade muito substancial de entidades e indivíduos do setor que, mesmo estando corretos, se calam perante os crimes, perante as ações das maçãs podres. Enquanto o setor não se unir e apontar, identificar e buscar expulsar essas maçãs podres do cesto, dificilmente a gente vai conseguir avançar na direção de uma produção mais sustentável e de uma maior competitividade do Brasil no âmbito internacional.

*Raoni Rajão é Professor Associado de Gestão Ambiental e Estudos Sociais da Ciência e Tecnologia no Departamento de Engenharia de Produção da UFMG e membro dos Programas de Pós-graduação em Engenharia de Produção e Modelagem e Análise Ambiental da mesma instituição. Ele também atua como co-orientador nos programas de Pós-Graduação em Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Brasília (UnB), Política Ambiental e Economia na Universidade de Bonn (Alemanha), e Forest and Nature Conservation da Wageningen Universiteit (Países Baixos). Prof. Rajão também tem sido professor visitante regular em diferentes instituições com destaque à Lancaster Univeristy (Reino Unido), Universität Bremen (Alemanha), Université Paris 1 Panthéon-Sorbonne e University of Wisconsin-Madison (EUA). Ele é graduado em Ciência da Computação pela Universitá degli Studi Milano-Bicocca (Itália) e Mestre e Doutor em Organização, Trabalho e Tecnologia pela Lancaster University. Desde o mestrado se dedica ao estudo da relação entre tecnologia, ciência e políticas públicas, com ênfase na avaliação de políticas de controle do desmatamento e de pagamento por serviços ambientais.

 

Edição: Katia Marko