Rio de Janeiro

VITÓRIA

Prefeitura de Caxias (RJ) recua e desiste de construir creche no Terreiro da Gomeia

Decisão ocorreu após pressão de movimentos populares, religiosos e ação contestatória do Ministério Público e Defensoria

Brasil de Fato | Rio de Janeiro (RJ) |
O Terreiro da Gomeia foi um marco para o reconhecimento das religiões de base africana no país, o espaço funcionou de 1951 até 1971 - Foto: Reprodução

Após pressão popular e ação contestatória movida pelo Ministério Público Federal (MPF) e Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro (DP-RJ), Prefeitura de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, desiste da construção de creche em terreno do Terreiro da Gomeia. A decisão foi anunciada no site do governo municipal na última segunda-feira (27).

A nota divulgada pelo poder público ressalta que a decisão atende reivindicação de movimentos populares e religiosos. “A Prefeitura irá cuidar e fazer a manutenção do terreno, com o objetivo de respeitar as vivências e as experiências religiosas de toda a população, em especial dos praticantes das religiões de matriz africana da cidade”, destaca. 

O Terreiro da Gomeia foi um marco para o reconhecimento das religiões de base africana no país, o espaço funcionou de 1951 até 1971, ano da morte de Joãozinho, líder espiritual da Casa. Para Lêmba Dyala, descendente da Gomeia e coordenador da Comissão de Preservação e Tombamento da Memória Gomeia, o recuo da Prefeitura de Duque de Caxias foi visto como uma vitória, uma vez que a área marca historicamente um ponto de referência para a cultura negra brasileira.

“Para além das questões espirituais do candomblé de matriz africana, ali está guardada uma partícula do povo Bantu, primeiro povo escravizado e responsável pela construção do Brasil. Pela sua essência, o candomblé Bantu já sofreu alteração ao longo do tempo por ser menos conhecido e falado. Porém, é o que mais influenciou na sociedade brasileira, na língua, nas comida e nos costumes. Guardar aquele espaço é não só preservar a memória de Joãozinho da Gomeia, mas de todos os antepassados Bantus que construíram esse país no primeiro ciclo de escravizado”, explica Dyala. 


Hoje terreno abandonado, o Terreiro da Gomeia guarda patrimônio histórico e religioso embaixo da terra / Foto: Reprodução

Tombamento

O processo de articulação para o tombamento do Terreiro da Gomeia está em curso, desde maio de 2019, no Instituto Estadual do Patrimônio Cultural (Inepac), órgão vinculado à Secretaria de Estado de Cultura e Economia Criativa. Porém, o andamento do processo é moroso. De acordo com arqueólogos, apesar do terreno estar coberto de lama e sujeira, há um patrimônio histórico e religioso embaixo de 1,5 metros de terra. 

O anúncio do prefeito Washington Reis (MDB) de construção da creche no início de julho no terreno que pertence à Prefeitura gerou mobilização de movimentos populares e povos de matriz africana no domingo (18) na área localizada no bairro Vila Leopoldina, em Duque de Caxias, para que o governo municipal recuasse em sua decisão. Segundo Dyala, os filhos da Gomeia não são contrários à construção de creche, mas defendem que especificamente neste terreno haja a preservação da cultura negra. 

“Na verdade, estamos a favor que se construa naquele espaço um centro cultural de referência à cultura preta dos Bantus no país e nós entendemos que existem várias formas de fomentar a cultura e educação para a população, que não seja os modos convencionais de escola e creche que já existem. Esse é o primeiro passo que a população precisa entender e a Prefeitura também”, ressalta.

O próximo passo da Comissão é uma campanha para a celeridade na finalização do  tombamento da área pelo Inepac e governo do estado do Rio. O movimento realiza uma sensibilização nas redes sociais a partir das hastags #tombagomeia #gomeiavive e #adengo (Associação dos Descendentes Nidanji Gomeia) para pressionar o poder público. A Comissão espera que a escavação arqueológica e o inicio da construção do centro cultural sejam iniciados em breve. 

Edição: Mariana Pitasse