A ordem do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), para bloquear perfis de apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) cria brecha para que qualquer cidadão seja silenciado sem o devido direito à defesa, segundo organizações que estudam e defendem a liberdade de expressão na internet.
A decisão foi proferida na sexta-feira (24), no âmbito de um inquérito que investiga a propagação de fake news, principalmente em ataque a ministros da Corte e ao Congresso Nacional.
Moraes mandou suspender 16 contas de bolsonaristas suspeitos de espalhar mentiras, sob o argumento de que era “necessário para a interrupção dos discursos com conteúdo de ódio, subversão da ordem e incentivo à quebra da normalidade institucional e democrática".
Todo o pessoal de movimentos sociais pode vir a ser criminalizado depois.
A justificativa do ministro é vaga e abre precedente para a perseguição de movimentos sociais e ativistas, por exemplo, afirma a pesquisadora Raquel Saraiva, presidenta e fundadora do Instituto de Pesquisa em Direito e Tecnologia do Recife (IP.rec).
“Esse mesmo precedente pode ser usado em outras situações, por outros juízes ou ministros, que tenham um outro alinhamento político. Todo o pessoal de movimentos sociais pode vir a ser criminalizado depois e ter suas contas caladas, com base nessa mesma decisão. Estamos falando de termos muito genéricos, muito abertos”, comenta.
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Direito de defesa
Segundo Saraiva, outro agravante é que a decisão foi tomada no âmbito de um inquérito – ou seja, em uma fase preliminar a um processo judicial, de investigação, quando não há ainda abertura para que os suspeitos tenham a chance de se defender.
A ativista pondera que a decisão de Moraes pode servir de exemplo para que juízes de instâncias inferiores apliquem o mesmo argumento para cercear manifestações de usuários de redes sociais.
“Ela não é, propriamente, vinculante em relação às instâncias inferiores, mas é um exemplo, uma porta que se abre, um caminho novo que as autoridades ainda não tinham aberto e que pode ser usado como espelho para juízes de instâncias inferiores”, diz.
A jornalista Marina Pita, coordenadora-executiva do coletivo Brasil de Comunicação Social (Intervozes), defende que, caso comprovados os crimes, o ideal seria que o foco fosse que o conteúdo fosse removido, não o canal pelo qual ele foi propagado.
“O que levanta bastante preocupação é que não foram retirados conteúdos que foram considerados ilegais, mas sim perfis inteiros, em uma perspectiva futura, no sentindo de ‘nós estamos, cautelarmente, tomando medidas para que essas pessoas não possam se expressar’”, avalia.
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O abuso de um grupo organizado na sociedade não justifica um abuso pelo Poder Judiciário.
Ela pondera que há limitação para a liberdade de expressão, mas restrições devem observar critérios rigorosos. “A liberdade de expressão não é um direito absoluto, mas a gente entende que a sua limitação deve ocorrer de forma estrita e justificada, observando os princípios da legalidade, da necessidade e da proporcionalidade”.
Para Marina, defender que o processo seja mais cuidadoso por parte do STF não significa absolver os agressores. O que se pede, diz ela, é mais clareza na argumentação e melhor garantia de defesa.
“Não é que a gente está dizendo que não há justificativa para os bloqueios. É que não há explicação pública, até o momento. A gente precisa de mais informações. Como ainda é uma fase de inquérito, não é uma fase de processo, talvez fosse o caso de ser mais cuidadoso. A gente segue muito atento, entendendo que um abuso não justifica um outro abuso. O abuso de um grupo organizado na sociedade não justifica um abuso pelo Poder Judiciário. É preciso estar atento para verificar se há um abuso nesse processo”, reflete.
Edição: Rodrigo Chagas