Imperialismo

Artigo | O legado racista de Woodrow Wilson e a descolonização de sanções modernas

Wilson não foi apenas um racista declarado, mas também o arquiteto de um regime de sanções que continua a matar até hoje

Tradução: Mario Soares Neto e Graciano D. S. Soares

Brasil de Fato |
Woodrow Wilson
É difícil ignorar a ligação entre o legado das “sanções pacíficas” do ex-presidente dos Estados Unidos Woodrow Wilson e seu legado de racismo e imperialismo, escreve Nanopoulos - Arquivo/Congresso EUA

*Publicado originalmente na Al Jazeera.

Um detentor do prêmio Nobel da Paz geralmente lembrado por seu idealismo, Woodrow Wilson (1856-1924), presidente dos Estados Unidos entre 1913 e 1921, apoiou as políticas segregacionistas em seu país e desempenhou um papel fundamental na derrota de uma proposta japonesa de inserir o princípio da igualdade racial no Pacto da Liga das Nações. Seus pontos de vista sobre raça provinham de uma crença mais profunda na supremacia branca como garantia de paz, ordem e estabilidade.

Já em 2015, a Black Justice League (Liga da Justiça Negra), uma organização de estudantes ativistas, ocupou o escritório do presidente da Universidade de Princeton, exigindo que a instituição da Ivy League reconhecesse o legado racista de Wilson e removesse seu nome de todas as instalações da universidade. Princeton se recusou a ceder, citando a importante contribuição de Wilson para a universidade.

Após o assassinato de George Floyd e as massivas mobilizações antirracistas que se seguiram, a universidade anunciou recentemente que removerá o nome de Wilson de sua Escola de Assuntos Públicos e Internacionais. Essa batalha foi finalmente vencida.

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Sanções modernas

Outra batalha, no entanto, aguarda para ser travada. Menos conhecido é que o presidente Wilson também foi um dos arquitetos das sanções modernas, colocando-as como alternativas pacíficas à guerra. Ao retornar da Conferência de Paz de Paris de 1919, ele se dirigiu a uma multidão de Indianápolis com entusiasmo sobre o novo sistema de sanções que garantiria a paz. Sem recorrer à força armada, ele disse que a Liga das Nações seria capaz de “aplicar esse remédio econômico, pacífico, silencioso, mortal e terrível. Não custa uma vida fora da nação boicotada, mas impõe uma pressão à qual, em meu julgamento, nenhuma nação moderna poderia resistir”.

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Sempre houve um certo grau de ironia na justaposição de paz e morte feita por Wilson. Seja como for, a história logo provaria que ele estava errado. As sanções não somente fracassaram quando aplicadas a estados poderosos ou pouco fizeram para evitar a Segunda Guerra Mundial, mas também, nas últimas três décadas, sua crescente popularidade –, ela própria produto de seu caráter supostamente pacífico –, custou um número de vidas sem precedentes. Afirmam que 500 mil crianças morreram como resultado das sanções da ONU contra o Iraque na década de 1990 e mais de 40 mil civis devido às sanções dos EUA contra a Venezuela hoje.

De maneira geral, as sanções não apenas isolam as metas dos países, mas frequentemente atrasam o progresso industrial, socioeconômico e político, com efeitos desastrosos no tecido social e nas perspectivas de reconstrução em longo prazo. O cerco de longa data de Israel a Gaza é um exemplo disso.

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As campanhas da sociedade civil transnacional consistentemente rejeitam esforços para considerar as sanções como pacíficas e mobilizam a linguagem da guerra e da violência para exigir sua abolição: as sanções matam e, no contexto de uma pandemia global, os efeitos da falta de suprimentos médicos adequados podem ser uma sentença de morte e são improváveis de parar na fronteira nacional.

Legados imperiais

O legado de Wilson, no entanto, também deveria nos levar a perguntar em que medida o conceito de “sanções pacíficas” estava vinculado à ordem colonial racista dos séculos 19 e 20? E como a atual proliferação de sanções está ligada à persistência e aprofundamento das estruturas imperiais racializadas no presente?

Sanções pacíficas adotadas fora de um estado formal de guerra, dos chamados “bloqueios pacíficos” aos embargos, tornaram-se uma prática rotineira entre as potências coloniais no século 19. Essas sanções não se limitaram ao cumprimento de obrigações internacionais ou à consecução de objetivos de política externa, mas também foram adotadas para cobrar dívidas, fazer cumprir contratos privados e garantir compensação por danos aos seus nacionais. Todos serviram à mesma causa: promover ambições imperiais sem assumir os riscos e responsabilidades da guerra. Com o estabelecimento da Liga das Nações, as sanções multilaterais tornaram-se parte de um arsenal internacional usado para preservar efetivamente o status quo colonial.

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A cadeia imperial não foi quebrada com a fundação das Nações Unidas. O poder do Conselho de Segurança de impor sanções em resposta a ameaças à paz era visto como um mecanismo para policiar estados mais fracos. Após décadas de inatividade durante a Guerra Fria, seria implantado para restaurar a ordem nas sociedades pós-coloniais, particularmente na África, e para punir Estados que desafiam os valores e normas da “nova ordem mundial”, como a Coréia do Norte.

No atual sistema capitalista globalizado, caracterizado pela dependência do mercado, estruturas desiguais de produção e troca e o domínio do dólar americano, as sanções também provaram ser uma estratégia de escolha para os EUA e seus aliados.

A ligação entre o legado de Wilson de “sanções pacíficas” e seu legado de racismo e imperialismo é, portanto, difícil de ignorar. É preciso apenas dar uma olhada na cartografia das sanções para ver paralelos claros com a geografia da era colonial.

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Se o legado dele tem algo a nos ensinar, é que os pedidos pela abolição das sanções não devem estar apenas vinculados a uma agenda humanitária preocupada em minimizar o sofrimento humano, mas a um projeto descolonizador que compreenda a desumanidade das sanções como uma característica constitutiva e sintoma da ordem imperial.

**Eva Nanopoulos ( é professora de Direito da Queen Mary, University of London. É autora da obra Juridification of individual Sanctions and the Politics of EU Law e co-editora da obra The Crisis Behind the Euro-Crisis.

***Mario Soares Neto – Advogado, professor e pesquisador. Integrante do Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia – PPGD/UFBA.

****Graciano D. S. Soares – Professor formado em Tradução pela Faculdade de Letras da Universidade Federal da Bahia. Mestre em Educação pela Universidade de Manchester e Pós-Graduado em Administração de Negócios pela Universidade de Brighton, Reino Unido.

 

Edição: Rodrigo Chagas