SAÚDE

Cardíacos não devem subestimar sintomas em meio à pandemia, alerta cardiologista

Mortes por doenças cardiovasculares em casa apresentaram aumento de 31% entre março e maio deste ano

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

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Segundo cardiologista, hipertensos devem redobrar cuidados em meio à pandemia da covid-19 - Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Entre os meses de março e maio deste ano, o Brasil registrou um aumento de 31% nas mortes por doenças cardiovasculares em casa. A variação em relação a 2019 aparece nos dados apresentados no fim de junho pela Sociedade Brasileira de Cardiologia e pela Associação dos Registradores de Pessoas Naturais do Brasil (Arpen): o número de óbitos por doenças como parada cardiorrespiratória, choque cardiogênico e morte súbita, saltaram de 14.938 no ano passado para 19.573 em 2020.

Ignoram os sintomas e acabam morrendo em casa.

Em entrevista ao programa Bem Viver, da Rádio Brasil de Fato, a cardiologista Nicolle Queiroz, do corpo clínico dos hospitais Albert Einstein e São Luiz, em São Paulo, afirma que cardíacos estão no grupo de risco para o coronavírus, mas que o número de mortes em casa evidenciam outros fatores. 

“Fazemos uma análise de que as pessoas estão com tanto medo que nem nos procuram mais no pronto-socorro. Ignoram os sintomas e acabam morrendo em casa. Nessa pesquisa, eles falam de um aumento de 14% de óbitos em domicílio”, lamenta a especialista.

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A médica pede atenção aos sintomas de doenças cardíacas e não exitar em procurar o médico, mesmo durante o isolamento social. “Subestimar a dor do outro é um grande erro. Está com dor no peito, tem um incômodo, um peso, um mal-estar? Procura o PS.”

A médica indica seguir todos os protocolos contra a contaminação pela covid-19, mas reforça que a população, principalmente com doenças pré-existentes, não pode ser negligente com a própria saúde.

“Não é superficial, não é uma saída desnecessária. Exames e consultas médicas são essenciais, principalmente para alguém que já tem doença prévia, como colesterol, obesidade, pressão alta. Doenças estruturais, pós-infarto. São candidatos à medicina de forma essencial, não é preventivo.”

Confira a entrevista na íntegra.

Quais são as doenças cardiosvasculares mais comuns entre a população brasileira e quais fatores levaram a esse aumento de mortes em plena pandemia?

Antes de falarmos da covid, pensando em doenças mais prevalentes, quero destacar uma, que está sempre em primeiro lugar: a hipertensão arterial. Infelizmente, a maioria de pessoas que tem pressão alta não sentem nada. Quando vão sentir alguma coisa, já estão no momento que chamamos de emergência. Quando tem lesão de algum órgão... derrame cerebral ou infarto. Ou dissecção de aorta, que é o caso mais dramático.

A doença que mais mata é hipertensão. São pessoas que pertencem ao grupo de risco do covid. Quando vamos falar do aumento de mortalidade em pessoas com doença vascular, já imaginávamos que isso ia acontecer por ser um grupo mais suscetível. E aumentou o número de pessoas que morrem em casa. Fazemos uma análise de que as pessoas estão com tanto medo que nem nos procuram mais no pronto-socorro. Ignoram os sintomas e acabam morrendo em casa. 

Nessa pesquisa, eles falam de um aumento de 14% de óbitos em domicílio. Atribuímos a não ir ao médico.

A dor no peito não é clássica para todo mundo. Habitualmente sabemos que dói do lado esquerdo, irradia para o braço esquerdo. Eventualmente vai para mandíbula, uma dor em peso. Mas tem pessoas que sentem ela de forma diferente, como por exemplo, o grupo dos diabéticos, que tem uma sensação diferenciada, e as mulheres, que nem sempre têm a dor clássica e acabam deixando, postergando, acreditando que a dor vai passar. Que foi algo que comeu, alguma emoção, e acaba não procurando o pronto-socorro.

É comum também, ver pessoas que já tem um distúrbio de ansiedade conhecido, ansiedade, depressão, pânico, e atribuem tudo à causa emocional. Muitas vezes me procuram e dizem achar que era crise de ansiedade por conta do corona. E na verdade, a pessoa tem ansiedade mas também tem um corpo. E eventualmente a ansiedade vem junto com o infarto. 

O mal-estar e a dor no peito acabam causando uma sensação de insegurança e medo ainda maior. As pessoas ficam na dúvida e não procuram o pronto-socorro.

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Qual o limite para decidir procurar o médico mas também evitar saídas em meio ao isolamento social? Como os cardíacos devem se preocupar caso tenham sintomas?

Isso é uma coisa que eu bato super na tecla e sou super defensora. Não existe essa certeza e um fluxograma perfeito. Subestimar a dor do outro é um grande erro. Está com dor no peito, tem um incômodo, um peso, um mal-estar? Procura o PS. 

Não é porque a pessoa tem uma doença psicossomática que ela não pode estar infartando.

É muito difícil julgarmos. Para quem está no pronto-socorro, como médico, também é bem complicado. É o primeiro contato com o paciente, ele já vem bem nervoso. Pode ser crise de ansiedade. E se você não atende bem, com paciência, se não tira uma boa história e um bom exame físico, você perde.

Sempre que tenho oportunidade de conversar com jovens médicos que estão saindo da formação, que estão no pronto-socorro, digo para lembrar que nem toda doença lê livro, vem desenhadinha como gostaríamos. É importante ser claro na conversa. Não é porque a pessoa tem uma doença psicossomática que ela não pode estar infartando.

Além da dor no peito, quais são os principais sintomas do infarto?

Dor no peito é o carro-chefe, mas mal-estar, náusea, uma sensação que não sabe explicar o que é. Uma agonia. Dor na mandíbula, dor no braço. Eu mesma já vi infarto que só tinha dor e peso nos dois braços. Direito e esquerdo.

Não precisa ser dor só no braço esquerdo. Se tem dor no peito que irradia, que vai para as costas, para os membros superiores, procura o pronto-socorro. Está com falta de ar, não consegue ficar deitado... Procura o pronto-socorro. O tempo é músculo. Quanto antes for atendido, maior a chance de salvarmos o teu músculo, que é o coração.  

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Quais orientações para os cardíacos em meio à pandemia?

Eu sei que é muito utópico falarmos para ficar em casa depois de tantos dias, depois que vemos a economia, o número de desempregados... eu compreendo todas as vezes que alguém fala: "doutora, eu não posso ficar em casa". Quem é do grupo de risco e precisa sair de casa, tem que redobrar os cuidados. 

Não adianta ter máscara de pano e usá-la o dia inteiro e tão somente ela. Tem que ter a troca. O Ministério da Saúde já orientou que temos que trocar a cada duas horas... Quando conversamos, fica aquele molhado na máscara. E quando molhamos, quebramos a barreira de proteção e o vírus pode entrar. 

Se for trabalhar fora, 8h por dia, é preciso de 4 máscaras. Vai usando e coloca em uma sacolinha dentro da mochila. Coloca na bolsa, na mochila. Chega em casa no fim do dia e lava as quatro.

Tem que lavar a mão. Sei que nem todo lugar tem acesso à álcool 70% o tempo todo. Lavar com água sabão que funciona também. Tem que evitar tocar o rosto, e, se puder, não comer coisas descobertas que estiverem em lugar de grande passagem. Separa o alimento no potinho. E por último, o mais importante: manter um metro e meio de distância.

Qual a importância do acompanhamento dos pacientes crônicos? Tanto em relação ao uso do medicamento quanto a ir às consultas médicas?

Não tem nenhuma evidência, nesse momento, que qualquer medicação possa piorar sintomas de covid. Não deixem de tomar os remédios.

Temos a modernidade do teleatendimento, eu sou adepta, eu atendo conforme o CRM liberou. Quem não puder fazer a videochamada com o médico, vá presencialmente. Não é superficial, não é uma saída desnecessária. Exames e consultas médicas são essenciais, principalmente para alguém que já tem doença prévia, como colesterol, obesidade, pressão alta. Doenças estruturais, pós-infarto. São candidatos à medicina de forma essencial, não é preventivo.

A senhora é intensivista na UTI Covid dos hospitais São Camilo e São Luiz. O que pode nos contar um pouco sobre a situação atual da pandemia?

Continua muito grave. Continuamos lutamos todo dia. Não tem medicação específica, não tem vacina ainda validada, está tudo em pesquisa. É uma rotina bem complicada de estar com um doente onde não se tem um tratamento certeiro.

Eu já peguei covid mas quem ainda não pegou lida com os medos, com as incertezas. Acho que nessa altura da quarentena, a maioria dos meus colegas já se acostumaram com ter uma atenção redobrada, uma rotina diferenciada. Nos trocamos já no estacionamento. Não subimos com objeto de uso pessoal para o hospital. Tem toda uma rotina diferente, que, depois de tanto tempo, já virou parte de mim.

Quais são os fatores de risco para desenvolver doenças cardiovasculares e como se prevenir?

Se há pré-disposição familiar, mãe, pai, irmãos, já é alguém que tem que ficar de olho. Obesidade. Não só obeso, mas sobrepeso também. Estamos vendo aumento de gravidade em quem pega covid e está no sobrepeso. Vida estressante... quanto mais estresse, mais alta fica sua pressão, mais alta sua frequência cardíaca e maior chance de se ter eventos adversos.

Tabagismo aumenta muito o risco de morte. Sedentarismo... Quem está em casa, trabalhando home office, levante-se. É preciso fazer caminhadas nem que seja dentro do quarto, de parede a parede, indo e vindo. A doença não lê livro. Se a pessoa é sedentária, a chance de desenvolver uma doença cardiovascular é imensa. 

Edição: Rodrigo Chagas