Há cinco anos, Cuba e Estados Unidos assinavam a retomada da relações diplomáticas interrompidas por 50 anos. No dia 20 de julho de 2015, os governos de Barack Obama e Raúl Castro sinalizaram para uma mudança no cenário estabelecido durante a Guerra Fria.
Entre os pontos contemplados no acordo mediado durante 18 meses pelo governo canadense e pelo papa Francisco, estão medidas de flexibilização para que os cidadãos estadunidenses pudessem viajar para o país caribenho, a autorização de cruzeiros turísticos e voos diretos entre os dois países, o fim do limite de envio de dinheiro à ilha, a libertação de prisioneiros políticos dos dois lados e a retirada de Cuba da lista de países que patrocinam o terrorismo.
Com a chegada de Donald Trump ao poder em 2017, o otimismo na quebra gradual do degelo entre as duas nações, foi tomado pela intolerância do novo mandatário - que antes mesmo de iniciar o governo já afirmava: “Vou liquidar o acordo”.
Ataques
No começo, a Casa Branca incluiu Cuba em várias listas de restrições, por exemplo listas de hotéis em que os cidadãos norte-americanos não podem se hospedar e de lojas em que não podem comprar atacando diretamente o turismo cubano, que vinha crescendo exponencialmente, entre outras restrições.
Uma das principais alterações foi a reativação de leis de bloqueio econômico aprovadas em décadas anteriores como, por exemplo, a Lei Helms-Burton, aprovada em 1996 e que impende a relação de Cuba com outras nações.
“Na efetiva aplicação do capítulo II da Lei Helms-Burton, que internacionaliza o bloqueio, ou seja, permite que os Estados Unidos punam empresas de outros países que tenham relações comerciais com Cuba. Também foram limitados os vistos, proibidos os cruzeiros, reduzidos os voos entre os dois países e eliminadas certas exceções humanitárias na execução das sanções” ressalta o jornalista Breno Altman, fundador do site Opera Mundi.
Judite Santos, integrante do Coletivo de Relações Internacionais do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) ressalta que o “caráter neocolonial expansionista do imperialismo estadunidense” está implícito nesta lei.
“O título III [da lei] protege o direito à propriedade de cidadãos estadunidenses em Cuba, cujas propriedades foram expropriadas pelo governo cubano após o triunfo revolucionário de 1959. Então é uma lei intervencionista e extraterritorial dos Estados Unidos contra Cuba que pretende retomar, inclusive, esse caráter neocolonizador de domínio do país sobre Cuba”, enfatiza.
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Em maio, em meio à pandemia do novo coronavírus e a crise econômica mundial, Trump voltou a incluir a ilha na lista de “não cooperaram totalmente com os esforços antiterroristas dos EUA em 2019”.
É o primeiro passo para que Cuba volte à famosa lista de “patrocinadores do terrorismo”, a dos maiores inimigos de Washington, que inclui Irã, Síria e Venezuela, e que leva a diversas sanções e restrições que podem afetar ainda mais a população cubana.
Asfixia
Para os especialistas ouvidos pelo Brasil de Fato esses instrumentos utilizados por Trump são uma tentativa de asfixiar financeiramente a revolução cubana.
Altman ressalta que a radicalização do bloqueio, promovida por Trump, leva a múltiplos problemas de escassez em vários ramos de importação, afetando duramente a vida dos cubanos, em pleno combate à pandemia. Também fecha portas para várias operações de crédito e investimento.
“Cuba chegou à situação absurda de ter comprado e pago por uma remessa de gás de cozinha, mas ter que comprar o barco que trazia a mercadoria porque, se aportasse na ilha, a empresa proprietária receberia uma multa severa”, cita ele.
De acordo com Santos, nas últimas seis décadas os prejuízos acumulados pelo bloqueio econômico estadunidense são de mais de 820 milhões de dólares. “Para Cuba que é um país pequeno bloqueado que vive em condições materiais difíceis é um recurso que faz muita falta para o desenvolvimento econômico e social da população cubana”, ponderou ela.
Era Obama
Judite Santos estava na ilha cubana no momento em que o anúncio do início do acordo foi feito junto com a liberação dos cinco heróis cubanos presos nos Estados Unidos durante 15 anos.
Segundo ela, a retomada das relações foi um marco na mudança mais significativa da política americana em relação à ilha em décadas e possibilitou reforço econômico para Cuba com um aumento no fluxo de cubanos e de seus capitais entre os dois países.
“A população cubana recebeu esse anúncio de restabelecimento das relações diplomáticas entre os países com muitas expectativas. A luta pela liberdade dos cinco se converteu em uma vitória e o povo comemorava com muito fervor. Eu estava em Cuba nessa época e pude vivenciar as comemorações nas ruas, foi uma alegria muito contagiante para todo o povo cubano”, conta.
Após o período de negociação, Obama chegou a visitar Cuba no dia 20 de maio de 2016, sendo o primeiro presidente estadunidense a estar no país depois de 88 anos. Santos considera que, embora algumas pessoas interpretassem o acordo como se a ilha estivesse cedendo aos Estados Unidos, ele representa exatamente o contrário.
“O restabelecimento da diplomacia entre os países não significaria ceder nenhum passo no processo revolucionário e sim a retomada do direito de Cuba ter relações comerciais com o resto do mundo de maneira autônoma e soberana para suprir as necessidades materiais, que, aliás, são muitas na ilha”, afirma.
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Embargo econômico
O passo nas relações diplomáticas entre os dois países não significou o fim embargo econômico à Cuba. "O bloqueio está sustentado em várias deliberações legislativas, que não podiam ser alteradas por decisão presidencial de Barack Obama”, defende o jornalista Breno Altman.
Para Santos, mesmo com as relações de forças internas no Congresso dos EUA, Obama poderia ter aproveitado o momento internacional. “Ele era o presidente e naquele momento havia um terreno favorável digamos internacionalmente, inclusive, para acabar com o bloqueio econômico, fato que não aconteceu”.
Desafios e resistência
Diante da extrema direita estadunidense, da crise internacional e a pandemia, os desafios cubanos perpassam, principalmente, dar continuidade à atualização interna, principalmente econômica, e seguir construindo o socialismo na ilha, o que, segundo Santos, se dá pela “participação popular”.
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“Cuba vem há mais de uma década tentando implementar mudanças necessárias no interior da revolução. Ou seja, está trabalhando intensamente para a atualização do seu modelo econômico. Não só econômico, mas principalmente. Foi e continua sendo um processo bastante interessante e bastante participativo desde o início”, pontua ela.
Para Altman, é o pior momento que o país caribenho passa desde o final do chamado “período especial", iniciado com o colapso da União Soviética e do campo socialista, visto que além do “estrangulamento comandado por Trump” há dificuldades econômicas da Venezuela e o giro à direita na América Latina, com a retração de seu comércio exterior e das fontes de crédito.
“A experiência com esse processo levou a medidas que permitem à revolução cubana enfrentar o atual cenário com maior poder de fogo. O tremendo sucesso na luta contra a pandemia é revelador da força propulsora da sociedade e do Estado cubanos”, afirma o jornalista.
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A pesquisadora destaca que foi possível resistir sobreviver neste período com base na solidariedade e na unidade que é “própria do povo cubano” e que será determinante agora. “A unidade popular em torno do projeto revolucionário será o baluarte para enfrentar essa nova ofensiva que está colocada para Cuba e para América Latina nos temos atuais”, encerra Santos.
A ilha não está só vencendo o vírus como também enviou dezenas de médicos para diversos países para enfrentar a doença, por exemplo, à Itália. A ação colocou os profissionais cubanos entre os cotados para o prêmio Nobel da Paz.
Edição: Leandro Melito