A privatização é, simplificadamente, a transferência do controle, direto ou indireto, do Estado, para grupos privados. Para alguns, a venda do controle de empresas estatais, justifica-se, porque:
- Reduziria o déficit público e a dívida do Estado;
- garantiria melhores produtos e serviços para os consumidores;
- traria preços e tarifas públicas módicas, para todos;
- proporcionaria eficiência à economia.
O Presidente Jair Bolsonaro confessou, publicamente, que nada entende de economia. Entregou, com plenos poderes, a gestão da economia brasileira, ao ministro Paulo Guedes. Deu a ele "carta branca" para escolha dos ocupantes de cargos, dentre os mais importantes da República, como os presidentes da Petrobras, Eletrobras, Banco Central, BNDES, Banco do Brasil, Caixa Econômica, entre outros.
Guedes, ligado umbilicalmente ao sistema financeiro, estudou, com bolsa concedida pelo Poder Público - que ele tanto critica - na Universidade de Chicago, templo do liberalismo.
O ministro chega com discurso raivoso, ofensivo. Ataca o Estado. Para ele os servidores públicos são parasitas e o Estado, o Hospedeiro. A solução única para o déficit público é vender, vender e vender todas as empresas estatais.
Em artigo recente, ao qual dei o título de Proposta démodé, afirmo que "já vi este filme". Com esta afirmação procurei mostrar que esta receita nem sempre leva aos objetivos desejados. Tanto no Brasil, como no exterior. Ao contrário. Estudo elaborado por uma instituição internacional, o TNI - Transnational Institute, mostra que as privatizações, por seus efeitos, em muitos casos negativos, estão sendo abandonadas e substituídas por reestatizações, pela volta ao controle público. Isto vem ocorrendo, nos últimos 10 anos, em quase 900 processos, em todo o mundo, nos mais variados segmentos da economia, como água e esgoto, telecomunicações, transportes, educação e muitos outros.
O TNI é uma organização que reúne diferentes entidades, de países diversos, como o Observatório das Multinacionais, a Câmara Federal do Trabalho da Áustria (AK), a Federação Sindical Europeia de Serviços Públicos (FSESP-EPSU), a Engenharia Sem Fronteiras, da Catalunha, o Sindicato dos Servidores Municipais e Gerais da Noruega, o Sindicato Canadense das Funções Públicas (SCFP-CUPE), a Unidade de Investigação da Internacionalização dos Serviços Públicos. O trabalho do TNI contou, ainda, com a colaboração de professores e pesquisadores das Universidades de Cambridge, Cornell e Greenwich. Os interessados podem acessar o documento, na íntegra no site do TNI.
E por que as comunidades estão exigindo a volta do controle público? A explicação é simples. As privatizações, ao contrário do discurso liberal, trazem preços e tarifas elevadas, proibitivas, queda na qualidade dos serviços, insuficiência de investimentos, desemprego, precarização do trabalho, entre outros malefícios.
Também no Brasil, os resultados destas privatizações devem ser avaliados com rigor, com isenção, o que não costuma ser feito pela mídia, ela mesma privada e oligopolizada, que bate palmas para o processo que ela equipara a santo remédio.
O país viveu a experiência das privatizações em diferentes governos. Sobretudo no de FHC, que privatizou bancos, siderurgia, petroquímica, fertilizantes, geração e distribuição de energia, água e esgoto, telecomunicações, transportes ferroviário, rodoviário, metroviário, aéreo e marítimo, mineração, gás canalizado, turismo e outros, alegando, principalmente, a necessidade de reduzir a dívida pública. No início do processo, a dívida era da ordem de 20 ou 30 bilhões de reais. Ao final foi multiplicada por mais de 10! Hoje já ultrapassa R$ 4 trilhões.
A Vale, cantada em verso e prosa, como empresa de sucesso, provocou as duas maiores catástrofes ambientais da história do país, com centenas de mortes e prejuízos monumentais. Outros desastres ainda podem ocorrer.
A Telemar, hoje OI, em recuperação judicial, segundo dizem, estaria insolvente. Das cinco empresas que lideram queixas e reclamações nos PROCON(s), quatro são do setor de telecomunicações, Vivo/Telefônica, Claro/NET, TIM, além da OI (esta com 145.000 demandas em 2018). Todas resultaram de privatizações, feitas no sistema Telebrás.
No setor elétrico pagamos uma das energias mais caras do mundo.
Rodovias pedagiadas, como a BR-040, estão sendo devolvidas ao poder concedente, com a alegação de prejuízos, incapacidade em realizar os investimentos compromissados. Também há problemas nas rodovias BR-060, BR-153, BR-163, BR-262, com centenas de quilômetros, administradas por consórcios e concessionárias como Invepar, CCR, Triunfo Concebra e outras. Ocorrem litígios, desentendimentos e devolução de concessões em aeroportos, como em São Gonçalo do Amarante (RN), Viracopos (Campinas-SP), onde as concessionárias buscam indenizações bilionárias do Poder Público.
O equilíbrio fiscal e a redução da dívida pública também devem ser alcançados por outros caminhos. Combatendo a sonegação, cobrando, com rigor e competência, centenas de bilhões de reais inscritos na dívida pública. Revisando e cancelando imunidades, isenções, desonerações e benesses tributárias, algumas desnecessárias ou injustificáveis. Instituindo taxação sobre grandes fortunas. Cobrando mais dos mais ricos e aliviando os cidadãos de baixa renda em obediência ao princípio da capacidade contributiva. Menos impostos sobre o consumo essencial e maior oneração do patrimônio e da renda. Enfim, fazendo justiça social.
*Ricardo Maranhão, engenheiro, ex-deputado federal, é conselheiro vitalício do Clube de Engenharia.
Edição: Mauro Ramos