Pernambuco

Coluna

Reduzir salários como uma solução empresarial permanente à depressão econômica

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O empresariado tem em mãos novas opções no seu cardápio de cortes no “custo-trabalho” para retomada de seus lucros - Marcello Casal Jr./Agência Brasil
Isso significa que os trabalhadores podem ser demitidos e depois readmitidos com baixos salários

Nesta coluna, voltamos a comentar e chamar atenção para algumas medidas trabalhistas que tem um potencial de impactar as relações de trabalho durante esta pandemia da covid-19, principalmente resultando em riscos aos direitos dos trabalhadores. A primeira questão a se destacar é que o Governo Bolsonaro, através da Secretaria Especial do Trabalho e Previdência do Ministério da Economia, que substituiu o antigo Ministério do Trabalho, editou na última terça-feira, dia 14 de julho, a Portaria 16.655/2020, a qual, em tese, autoriza que trabalhadores demitidos sejam recontratados por salário mais baixo, durante o período de calamidade pública. 

Ressalte-se de antemão que, no âmbito da Justiça do Trabalho, qualquer trabalhador que for demitido e recontratado subsequentemente, com destaque se esse período entre a dispensa e a recontratação for menor a 90 dias, é presumida essa rescisão contratual como fraudulenta, uma vez que o direito do trabalho é orientado pelo princípio jurídico da continuidade do contrato de trabalho. Desse modo, em vez de haverem dois contratos de trabalho, é considerado existente um único, devendo-se manter as condições de trabalho inicialmente acordadas, inclusive sobre salário e jornada. Logo, se na suposta recontratação foi estabelecido um novo salário inferior ao anterior, essa condição nova será considerada nula, uma simulação fraudulenta, mantendo-se o anterior. 

A referida Portaria, portanto, é uma tentativa de, nesse momento de ensaio de uma “retomada” econômica ainda em plena pandemia, flexibilizar essa presunção de fraude na rescisão contratual. Tanto que, nos termos do art. 1º dessa Portaria, em caso de serem mantidos os mesmos benefícios do contrato anterior, ficaria afastada a fraude, podendo-se considerar como iniciado um novo contrato de trabalho para todos os efeitos. Entretanto, é previsto também que será possível que a recontratação ocorra de modo diverso aos termos do contrato anterior quando houver previsão para tanto em instrumento de negociação coletiva. Na prática, isso significa que os trabalhadores podem ser demitidos e, na sequência, readmitidos com salários mais baixos se houver aval sindical, ou seja, autorização do sindicato da categoria em acordo ou convenção coletiva.  

 Ou seja, diante de uma conjuntura no mundo do trabalho e sindical de crise, o atual Governo dá mais uma mostra de seu projeto antitrabalho e antisindicatos, pois se cria um artifício de pôr os sindicatos contra os trabalhadores, de eles fazerem o papel de “fieis da balança" para a redução geral de salários. Tal medida não vem em benefício da preservação dos empregos, mas sim para abrir uma “brecha” jurídica para atender àqueles segmentos econômicos que no primeiro momento de fechamento não buscaram preservar empregos, adotando alternativas, mas garantir os patamares de lucro. 

 Segundo, deve-se destacar que a já comentada Medida Provisória 936/2020 foi convertida na Lei 14.020/2020, com uma novidade que é a previsão de prorrogação das medidas de redução proporcional de jornada e de salário e de suspensão do contrato de trabalho, antes, respectivamente, limitadas a 90 e 60 dias. Essa possibilidade de prorrogação delas veio com o Decreto presidencial n. 10422/2020, publicado em 13 de julho, de modo que ambas passaram a ter um tempo limite de até 120 dias. 

Logo, o empresariado tem em mãos novas opções no seu cardápio de cortes no “custo-trabalho” para retomada de seus lucros: um maior tempo de redução temporária de salários ou tornar esses salários reduzidos permanentes. Qual o papel dos sindicatos nesse jogo?

Edição: Monyse Ravena