O Ministério Público Federal (MPF) denunciou na quinta-feira (16) os ex-agentes militares Rubens Gomes Carneiro, de codinome “Laecato” ou “Boamorte”, Ubirajara Ribeiro de Souza, conhecido como “Zé Gomes” ou “Zezão” e Antonio Waneir Pinheiro Lima, apelidado de “Camarão” pelo sequestro e tortura do advogado e militante político Paulo de Tarso Celestino da Silva, preso no final de julho de 1971, torturado na “Casa da Morte” em Petrópolis, no interior do estado do Rio de Janeiro, e desaparecido até os dias de hoje.
Paulo de Tarso desapareceu com 27 anos. O jovem advogado atuou na luta armada contra o regime militar e, na época de sua prisão, havia sido eleito comandante nacional da Aliança Libertadora Nacional (ALN). Segundo o MPF, assim que foi privado de sua liberdade, o militante foi submetido a “intensas agressões físicas e psicológicas" e, logo após sua prisão, ele foi violentamente torturado nas dependências do DOI-CODI/RJ, na Tijuca, no Rio de Janeiro e, posteriormente, foi levado para o imóvel conhecido como “Casa da Morte”.
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O órgão afirma que na “Casa da Morte” a tortura foi mais intensa. De acordo com a denúncia, Paulo de Tarso foi obrigado a ingerir grande quantidade de sal, sendo posteriormente privado de ingestão de água por longo período, apesar de suas súplicas.
O testemunho das atrocidades perpetradas pelos agentes militares no advogado foi feito pela única sobrevivente do aparelho de tortura, Inês Etienne Romeu, que viveu 96 dias de horror no centro clandestino da ditadura. “Colocaram-no [Paulo] no pau de arara, deram-lhe choques elétricos, obrigaram-no a ingerir uma grande quantidade de sal. Durante muitas horas eu o ouvi suplicando por um pouco d’água”, relatou a militante política que faleceu em 2015 no município de Niterói, na região metropolitana do Rio.
Advogado Paulo de Tarso. Seu corpo nunca foi encontrado / Foto: Reprodução
Memória e reparação
Os procuradores da República Vanessa Seguezzi, Antonio Cabral e Sérgio Suiama, autores da denúncia, destacaram no processo as sucessivas violações cometidas pelos militares envolvidos no sequestro e desaparecimento de Paulo de Tarso. “A prisão de Paulo de Tarso Celestino da Silva não decorreu de flagrante e não foi oficializada ou comunicada à autoridade judiciária. Ocorre que, a pretexto de combater supostos opositores do regime militar, não estavam os agentes públicos, mesmo à época do início da execução do crime, autorizados a sequestrar a vítima, mantê-la secretamente encarcerada em estabelecimento clandestino, dando-lhe paradeiro conhecido somente pelos próprios autores do crime e seus comparsas, já falecidos ou ainda não identificados”, ressaltaram.
Além da condenação dos ex-agentes militares, o MPF requer que seja imposta a perda de cargo público, oficiando-se ao órgão de pessoal e/ou pagamento para que efetive o cancelamento de aposentadoria ou qualquer provento de reforma remunerada, assim como requer que seja oficiado aos órgãos militares para que os condenados sejam destituídos das medalhas e condecorações eventualmente obtidas, sendo obrigados, ainda, ao pagamento de dano cível em decorrência dos atos ilícitos praticados.
Para a historiadora Rafane Paixão, que integrou a Comissão Municipal da Verdade de Petrópolis, responsável por trazer à tona os crimes cometidos durante o regime militar na cidade, a punição aos agentes perpetradores de graves violações dos Direitos Humanos fortalece de maneira simbólica a resistência por democracia.
“A ação do MPF expressa o dever de memória do Estado brasileiro para com as vítimas da ditadura militar, é o reconhecimento do Estado de sua responsabilidade pelo sequestro, tortura, morte e desaparecimento de um cidadão. Afinal, o Estado brasileiro foi punido pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, da qual é signatário, pelos crimes contra a humanidade cometidos durante o período, sendo assim os crimes não prescrevem e se sobrepõe a Lei de Anistia de 1979”, afirma.
“Casa da Morte”
A "Casa da Morte" foi utilizada pelo Centro de Informações do Exército (CIE) como aparelho clandestino de tortura durante o período do regime militar e foi localizado por Inês Etienne Romeu, única prisioneira política a sair viva do local, conforme declarações prestadas ao Conselho Federal da OAB.
O imóvel foi emprestado ao Exército pelo então proprietário Mário Lodders e, segundo o tenente-coronel reformado Paulo Malhães, em depoimento prestado à Comissão da Verdade do Estado do Rio de Janeiro, o local foi criado para pressionar os presos a mudarem de lado, tornando-se informantes infiltrados. Por ali passaram diversos militantes políticos, que permanecem desaparecidos.
Edição: Jaqueline Deister