Bahia

Coluna

Mineração e os perigos da contaminação silenciosa

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Organizações da Articulação em Defesa da Vida no Enfrentamento ao modelo mineral no norte da Bahia lançaram, no mês de junho, uma Carta Denúncia intitulada: "Mineração e Pandemia – Essencial é a Vida!". - Dilvulgação
Até quando o essencial será o lucro, e não a vida do povo?

Desde a notificação do primeiro caso do coronavírus na Bahia, que ocorreu no dia 6 de março, a Bahia registrou, até a última quinta-feira (16), 116.373 casos confirmados, e com tristes 2.693 óbitos. É sabido de todo o esforço que o governo estadual tem feito para evitar um aumento ainda mais acelerado das taxas de contaminação, no entanto existe um problema silencioso e extremamente prejudicial: a mineração.

O que está colocado neste momento é se de fato a atividade mineral que vem ocorrendo, mesmo durante a pandemia, é realmente essencial, pois ao levantar dados disponibilizados pelas secretarias de saúde municipais e de relatos orais da população impactada, verifica-se que existe uma relação íntima (mas blindada!) entre o alto número de pessoas contaminados e a continuidade do trabalho das empresas. Para exemplificar esta grave situação, vamos usar três municípios com intensa atividade mineral na Bahia.
 
O primeiro é Jacobina, com grande extração de ouro, realizado pela Jacobina Mineração e Comércios (JMC), Subsidiária da Yamana Gold. O município com uma população de aproximadamente 81 mil habitantes, e teve seu primeiro caso confirmado em 4 de abril, e em 16 de julho, já somam 267 pessoas. Em proporção, a contaminação da população representa 0,33%. 

O segundo caso é a cidade de Jaguarari, que através da empresa Mineração Caraíba S/A, extratora de cobre. A confirmação do primeiro caso na cidade, que possui uma população de aproximadamente 34 mil habitantes, foi em 28 de abril. No dia 16 de julho, o total de contaminados já chega a casa dos 116, o que corresponde a 0,35% da população.

E o terceiro e último caso é Brumado, onde a empresa RHI Magnesita vem realizando extração de magnesita, talco e derivados. A cidade com uma média de 67 mil habitantes, e teve seu primeiro caso confirmado em 23 de março. Segundo dados do boletim epidemiológico do dia 16 de julho já chega a 288 pessoas doentes. Esta quantidade representa 0,42% da população.  
Tabela de casos confirmados dos municípios e circunvizinhanças. / Felipe Sena

Ao observar as tabelas acima verificamos duas questões extremamente relevantes: 1°) quando levantamos dados de contaminação e sua rápida evolução, percebe-se que a atividade mineral tem uma parcela de culpa grande na disseminação do coronavírus; e 2°) se comparado a outras cidades circunvizinhas, que não possuem atividade mineral em funcionamento, percebe-se que o número de pessoas contaminadas é bem menor. 

Preocupados com esta situação de contaminação da população, mais de 20 organizações, reunidas na Articulação em Defesa da Vida no Enfrentamento ao modelo mineral no norte da Bahia, lançaram no mês de junho uma Carta Denúncia intitulada: Mineração e Pandemia – Essencial é a Vida!. Esta nota pública surgiu a partir da preocupação existente com a vida das pessoas que estão sendo expostas ao risco da contaminação, e  para denunciar que a atividade mineral neste momento de pandemia não é essencial, além de reivindicar que todas as trabalhadoras e trabalhadores tenham direito ao isolamento social com a manutenção integral dos seus salários.   

A Articulação também reforça que as comunidades camponesas onde a atividade mineral está presente, e que por isso também são alvo da contaminação,  tenham seus territórios preservados e seus modos de vida assegurados.  

É fundamental que a sociedade e os governos (municipal, estadual e federal) compreendam que o isolamento social ainda é a forma mais eficaz de combater o vírus, e que todas as empresas que estão expondo ao risco milhares de pessoas (seja direta ou indiretamente pela continuidade de suas atividades) precisam tanto ter suas atividades interrompidas, como serem responsabilizadas pelas consequências. 

É inadmissível estas empresas, que lucram milhões por ano com a comercialização dos minérios, não utilizem deste dinheiro para contribuir com condições mínimas de infraestrutura da rede de atenção primária nos municípios, na disponibilização de EPI’s para trabalhadores e população em geral e de programas assistenciais para as famílias em vulnerabilidade social. 

O mais irônico é que no momento em que a população mais precisa de todo o Desenvolvimento - narrativa comum propagada para a implementação destes grandes projetos nas cidades -, o que se vê é o silêncio. Apesar de a Bahia ser o 4° maior produtor de brasileiro de bens minerais, a pandemia nos faz abrir um debate fundamental: até quando o essencial será o lucro, e não a vida do povo?! 
 

Edição: Jamile Araújo