O que parecia ser um dia triste, foi um dos momentos em mais senti calor humano
Eu gosto muito de fazer aniversário. Tanto que comemoro duas vezes, uma a cada seis meses: em seis de julho, quando faço anos; e em seis de janeiro, que é meu meio aniversário. A tradição não foi ideia minha, começou quando eu ainda era bebê.
Foi uma maneira que meu pai e minha mãe encontram de comemorar essa data com meus avós, que moravam longe, e com quem costumávamos passar o réveillon. Ademais, coincidia com o aniversário – de fato, não meio – de um tio-avô muito querido para o meu pai, o tio Ederaldo, irmão da vó Zulma. Assim, fazíamos uma festa só.
Pessoas amadas, bolo, velinhas, cantar parabéns, alegria, farra, cerveja, eu sempre quero o pacote completo. Conforme a data foi se aproximando nesse 2020 tão horrível, ficou evidente a inviabilidade da comemoração e eu fui desanimando.
Cada chamada ao vivo de outros aniversários – as “lives” dos amigos – me angustiava. A intenção é nobre, mas o resultado é doce-amargo: você vê ali, naquelas telas pequeninas, todo mundo que gostaria de dar um abraço longo e apertado, porém não pode.
E sabe-se lá quanto tempo vai demorar para conseguir fazê-lo – certamente bem mais do que os 40 minutos que duram o Zoom. Além disso, não é como mesa de bar, em que as pessoas sentam próximas por afinidade e vão desenvolvendo suas conversas paralelas. Ali, todo mundo fala ao mesmo tempo, gente que nem se conhece, ou então fica aquele silêncio constrangedor.
E mal dá para puxar assunto porque o que está na cabeça de todo mundo é aquilo que só uma festa de arromba nos conseguiria fazer esquecer (por algumas poucas horas): a tragédia em curso no Brasil. Se fosse essa semana, começaríamos por onde? Pelo genocídio indígena, certamente, pelos comentários, devo admitir, corajosos de Gilmar Mendes e pela repulsa aos militares.
Seguiríamos para a cifra insistente de mais de mil mortos por dia, e lembraríamos que estamos, propositalmente sem ministro da Saúde e sem qualquer plano de enfrentamento à pandemia. Dependendo do fuso horário, poderia entrar no vídeo alguém de algum país que já saiu do confinamento e esfregar na nossa cara a falta de horizonte, aumentando a nossa depressão.
Aí ingressaríamos definitivamente no campo dos relatos pessoais: quem está tendo que sair para trabalhar, quem perdeu o emprego, quem perdeu alguém próximo, os famosos que se foram, quem está sem saúde mental para continuar em quarentena.
Pularíamos então, finalmente, para o ministério da Educação e reavivaríamos aquelas reflexões sobre como viemos parar aqui, tendo como indicado alguém que é evidentemente contra os estudos de gênero e as conquistas advindas das lutas feministas.
Um homem cujas falas deixam evidente seu pânico moral em relação aos direitos LGTQIAs e que propaga uma concepção estreita e excludente de família. A essa altura, eu lembraria que essa pessoa é meu chefe, e provavelmente sairia de fininho, à francesa, da minha própria festa para me enfiar embaixo da cama.
Diante de tal cenário real e imaginário, decidi não fazer a comemoração. Suspendi o aniversário, torcendo para que fosse possível celebrá-lo inteiro na data do meio, em 6 de janeiro. Mas, mesmo sem marcar, as pessoas se lembraram (ainda bem!) e fui invadida por uma onda de carinho gigantesca.
Mensagens e telefonemas vindos dos mais diferentes cantos chegaram trazendo alegria, ânimo, estímulo para seguir em frente. “Vai passar”, “já já tem vacina”, “continue forte”. Me senti querida e acolhida, longe, mas perto.
Nunca imaginei que aniversariar em quarentena, mas, contraditoriamente, o que se prenunciava como um dia triste pelo isolamento e pelo contexto todo foi um dos momentos em que eu mais senti calor humano. Foi bonito demais.
Edição: Rodrigo Durão Coelho