Seguimos no rumo do caos, com o perigo do neofascismo buscando se aproveitar da situação
A principal contradição geopolítica mundial dos últimos anos é o conflito entre o imperialismo dos EUA e a China reforçada com sua aliança estratégica com a Rússia. Ela determina as grandes decisões estratégicas das potências mundiais e se revela em inúmeros embates em todo o mundo.
Apesar de perder terreno na economia e na política, os EUA mantêm a supremacia militar. Além de suas numerosas bases espalhadas por todo o mundo, gastam parte considerável do expressivo orçamento para sustentar estruturas militares de seus aliados, tais como os países do Báltico, Ucrânia e Polônia.
Perder a corrida geopolítica e sustentar-se centralmente nas armas, projeta um cenário de previsível elevação de tensões militares, com o crescimento de conflitos localizados e ataques provocativos.
Nesse contexto, ganha relevância analisar se uma das consequências da atual crise impulsionada pela pandemia, será compreender que a superação econômica e política da China sobre os EUA, que já avançava a largos passos, dará, agora, um salto de qualidade nos próximos anos.
Retomada pós-covid
Segundo o ranking anual de riqueza mundial (Global Wealth Report, 2019), divulgado pelo banco suíço Credit Suisse, a China já superou os EUA. Por sua vez, o jornal britânico Financial Times previu - a partir de cálculos feitos com dados do Fundo Monetário Internacional e anteriores a pandemia - que a China ultrapassará definitivamente os EUA em 2023, também em relação ao Produto Interno Bruto nominal.
O fato determinante desse previsível salto de qualidade na ultrapassagem foi a rapidez na retomada da produção industrial chinesa após o surto da pandemia. Graças à agilidade em promover medidas sociais restritivas, o surto de Covid-19 originado em Wuhan, província de Hubei, foi contido em tempo recorde, possibilitando que as fábricas retomassem amplamente à produção em tempo integral.
Não é casual que ocorra uma acelerada busca de investidores internacionais por títulos soberanos chineses. Com a pandemia, mesmo a China sendo o centro do primeiro surto, a procura pelos papéis cresceu significativamente, demonstrando que o pragmatismo capitalista já a percebe como o refúgio seguro e rentável.
Enquanto isso, nos EUA, Trump, assim como seu pupilo Bolsonaro, afrontou as evidências científicas, propagandeou medicamentos não comprovados, minimizou os impactos da doença e afastou os que insistiram em seguir políticas públicas baseadas em critérios técnicos. Tudo em nome de uma imediata retomada da produção econômica. Mesmo diante da catástrofe do número de mortos, instiga sua equipe de assessores da Casa Branca para atacar Anthony Fauci, diretor do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas, órgão público responsável por aconselhar o presidente nas políticas para combater a pandemia do novo coronavirus.
Além da postura irresponsável e genocida do governo de Trump, as desigualdades sociais e a ausência de um sistema público de saúde potencializaram a propagação do vírus, mantendo a curva em ascensão apesar dos fartos recursos econômicos para adquirir testes e investir em pesquisas para uma vacina ou novos medicamentos.
EUA e Brasil
A nova onda de infecções e as restrições às atividades comerciais ameaçam os sinais iniciais de recuperação da economia estadunidense que, pelo segundo mês consecutivo, conseguiu gerar parte dos empregos perdidos durante a pandemia. A consequência da assimetria entre as políticas chinesas e estadunidenses é que a disparada de novos casos de coronavirus nos EUA obrigam uma nova quarentena com economias estaduais sendo fechadas mais uma vez, retardando a desejada retomada da plena capacidade de produção.
Em resumo, a estratégia da China de eliminar o vírus antes de tentar uma grande reabertura da economia revelou-se uma decisão certa, na comparação com os EUA, confirmando a previsão de que estará em melhores condições de avançar e ganhar terreno na disputa mundial.
Estudos recentes sobre a experiência da Gripe Espanhola (1918 a 1920) demonstraram que a recuperação econômica em 43 cidades estadunidenses após o fim do surto foi mais rápida onde as autoridades municipais adotaram medidas de isolamento para conter a expansão da epidemia, em comparação com locais que não atuaram para reduzir o contágio.
No Brasil, a postura genocida de Bolsonaro é cada vez mais reproduzida por governadores e prefeitos pressionados pela reabertura irresponsável - exatamente porque acontece quando as curvas oficiais de contaminações e de mortes se revelam muito distantes de mínimo parâmetro de estabilização que justifique uma medida tão arriscada.
Como se previa, as mortes recaem fundamentalmente sobre as classes trabalhadoras, revelando a crueldade de nossa desigualdade social e atingem cinco vezes mais a população negra.
A insuficiência de testes e dados confiáveis sobre as mortes nos lançam num voo cego, no qual o ministro interino da Saúde é um militar ironicamente com formação de paraquedista e graduação avançada de salto livre.
As maiores cidades brasileiras estão reabrindo suas atividades quando a curva do número de mortes ainda se mostra estável e até mesmo em ascensão. Segundo a pesquisa EpiCovid-19, coordenada pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel) e financiada pelo Ministério da Saúde, até o fim de junho, apenas 3,8% da população brasileira já tinha sido exposta ao virus. Um dado que sugere que a tragédia ainda pode se expandir de forma avassaladora antes que uma vacina tenha eficácia e possa ser aplicada em toda a população.
É certo que estamos assistindo uma corrida sem precedentes pelas vacinas, inovações farmacêuticas e novas ferramentas para enfrentar a pandemia. No entanto, dificilmente conseguirão impedir o que nos espera nos próximos meses. Seguimos no rumo do caos, com o perigo do neofascismo buscando se aproveitar da situação.
Um novo cenário mundial vai se desenhando rapidamente. Perda da supremacia dos EUA, avanço da China em aliança com a Rússia, agravamento súbito das condições de vida das massas em todo o mundo e provável aumento das tensões internacionais.
Edição: Rodrigo Durão Coelho