Um forte esquema de controle sobre quem entra e quem sai faz com que a aldeia indígena Mata Verde Bonita, na cidade Maricá, no Rio de Janeiro, esteja atravessando todos os meses de quarentena e pandemia da covid-19 sem registrar nenhum caso da doença. A aldeia tem aproximadamente 80 pessoas e 29 famílias, segundo a Cacique Jurema Reté Yry, que conversou com o Brasil de Fato nesta quinta-feira (9).
"Quase não saímos para a rua, somos acostumados a estar dentro da aldeia, estamos isolado, então a quarentena não nos afetou. Fizemos os testes de covid duas vezes e não deu nada, nenhum resultado positivo. Aqui, só entram uma enfermeira, que trabalha de segunda a sexta, e uma médica, que vem duas vezes na semana", contou a cacique.
Em Maricá, a prefeitura mantém uma equipe de atenção básica ao programa de saúde indígena na própria aldeia. A medida visa evitar que os mesmos profissionais de saúde estejam em contato com a população geral e com a população indígena. Até a última quarta-feira (8), a Secretaria Municipal de Saúde registrou 1.611 casos confirmados da covid-19 na cidade, com 57 óbitos e 1.379 pacientes curados desde o início da pandemia.
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Realidade
A realidade dos indígenas da cidade está bem distante do resto do estado do Rio e do país. Há forte preocupação com a fragilidade e demora na atuação do governo federal através da Secretaria Nacional de Saúde Indígena (SESAI), órgão do Ministério da Saúde, junto às outras aldeias indígenas fluminenses localizadas em Angra e Paraty, segundo o Conselho Estadual dos Direitos Indígenas (CEDIND-RJ).
Na aldeia Sapukai, em Angra dos Reis, três indígenas estão internados com covid-19 e outros 46 testaram positivo para a doença. A aldeia tem aproximadamente 500 habitantes. O estado possui sete aldeias da etnia Guarani (incluindo a aldeia Mata Verde Bonita de Maricá) e uma da etnia Pataxó. Segundo o Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, de 2010, existem no estado do Rio cerca de 15.865 indígenas entre aldeados e em contextos urbano e rural.
Em todo o país, dados compilados pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) mostram que as populações indígenas estão vulneráveis em diversas localidades. Até a última terça-feira (7), o boletim do Comitê Nacional de Vida e Memória Indígena registrou 12.768 casos confirmados entre os povos indígenas e 453 óbitos provocados pela covid-19.
O primeiro caso confirmado de contaminação pela covid entre indígenas brasileiros foi de uma jovem de 20 anos do povo Kokama, no dia 25 de março, em Santo Antônio do Içá, no Amazonas. O contágio aconteceu por meio de um médico de São Paulo a serviço da SESAI, que testou positivo para o novo coronavírus. Hoje os Kokama são os mais afetados em casos de mortes entre indígenas no país.
Segundo a Apib, o Amazonas foi o primeiro estado a ter a confirmação de indígenas contaminados e concentra o maior número de mortes entre indígenas. "Chamamos atenção para o fato da SESAI ser um dos principais vetores de expansão da doença dentro dos territórios indígenas, alcançando a região com maior número de povos isolados do mundo: o Vale do Javari", afirma boletim da Apib.
A Apib critica a falta de transparência dos dados da SESAI, que impede a identificação de muitas cidades onde os óbitos aconteceram. "Os dados com a sigla SI [sem Informação] representam esses casos. Mais uma vez denunciamos sobre a falta de transparência e racismo institucional da SESAI e exigimos respeito aos nossos direitos", aponta a instituição.
Sem direito à proteção
Na última quarta-feira (8), o presidente Jair Bolsonaro sancionou com 16 vetos a lei que cria o Plano Emergencial para Enfrentamento à Covid-19 nos territórios indígenas, que estabelece medidas para prevenir a disseminação da doença entre povos tradicionais. O texto da lei nº 14.021 foi publicado na madrugada desta quarta-feira (8) no Diário Oficial da União (DOU).
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Entre os trechos vetados pelo presidente, estão a obrigação do governo de oferecer acesso a água potável e garantir a distribuição de produtos de higiene e limpeza. Bolsonaro também vetou a elaboração de ações específicas para ampliar os leitos hospitalares, a liberação de verba emergencial para a saúde indígena, projetos de instalação de internet nas aldeias, distribuição de cestas básicas e o acesso facilitado ao auxílio emergencial.
Edição: Mariana Pitasse