É tempo de gritar o nosso grito, de cantar a resistência do nosso tempo, de se inspirar na história
É impossível falar de resistência contra a ditadura e todo seu significado de repressão e censura no Brasil sem lembrar dos Festivais da Música Popular Brasileira, ou do teatro de arena, ou do CPC da UNE, dentre tantos outros símbolos que marcaram a década de 60 como um período de efervescência política e cultural. Esse período duro marcado pelo massacre às liberdades também é lembrado como o momento de criações inéditas e inovadoras nas diversas expressões artísticas, e que foram eternizadas na nossa memória.
Por esse motivo, para jovens da minha geração é muito comum conhecer e saber cantar versos como “a gente quer ter voz ativa, no nosso destino mandar” e imediatamente ser transportado para esse momento da história e sentir a força da juventude daquela época que gritava por democracia e liberdade. Assim como, ainda hoje, quando escutamos “há soldados armados, amados ou não, quase todos perdidos de armas na mão” somos levados a refletir que a história, como a roda viva de Chico Buarque, novamente está nos colocando diante de um momento que é necessário gritar e cantar por democracia.
Os versos que citei das músicas Roda Viva de Chico Buarque e Pra Não Dizer Que Não Falei Das Flores de Geraldo Vandré são exemplos das canções que agitaram a sociedade brasileira através dos festivais transmitidos nas emissoras de televisão como o Festival da Música Popular Brasileira e o Festival Internacional da Canção, que foram grandes palcos de disputa política, apresentando através de metáforas inúmeras críticas ao regime militar, inaugurando canções que posteriormente ficariam conhecidas como “canções de protesto”. Os festivais consagraram diversos artistas nacionais como Elis, Gil, Caetano, Edu, Gonzaguinha, dentre outros. Além desses festivais televisivos, vários outros se espalharam pelo Brasil como os festivais universitários, fazendo do canto um grito de resistência.
O auge desses festivais vai até o ano de 1968 quando a ditadura passa para o seu momento mais truculento com o AI-5, consolidando como habitual a perseguição, a censura e a tortura. A partir desse período, artistas que contestavam a ditadura foram presos, torturados e muitos exilados, e assim, os festivais foram morrendo ao passo que as críticas foram sendo silenciadas à força.
Inspirados nesse exemplo da nossa história de luta por democracia, o Levante Popular da Juventude realizou no final de junho o “Festival da Resistência” virtual, diante do contexto de pandemia. Essa não é a primeira experiência de festival durante o atual momento de luta pela democracia – mais uma vez -, assim como também não é o primeiro festival do Levante. Tivemos desde o golpe de 2016 os festivais Lula Livre, os festivais contra os ataques às universidades públicas, agora durante a pandemia aconteceu o “Festival Fico em casa” e outros com esse caráter. E, naquele ano de 2016, logo após o golpe que depôs Dilma, o Levante Popular da Juventude também realizou um grande festival durante o seu 3º Acampamento Nacional que aconteceu em Belo Horizonte, reunindo mais de sete mil jovens de todos estados brasileiros, com seis palcos simultâneos, 10 peças teatrais e participação de mais de 100 artistas de todas as regiões do país.
Novamente, diante de um contexto de ataque contra a democracia brasileira, dessa vez com uma ameaça neofascista, os artistas brasileiros se posicionam e produzem protesto em forma de arte. É assim com a banda Francisco El Hombre quando canta Bolso Nada representando nossa indignação contra “esse cara escroto” que ocupa a presidência do Brasil. É assim com o cinema brasileiro que teve Democracia em Vertigem de Petra Costa revelando ao mundo o golpe sofrido no Brasil, e Bacurau de Kleber Mendonça e Juliano Dornelles lavando a alma dos que resistem. É assim com o carnaval, quando a Mangueira canta no seu samba enredo “não tem futuro sem partilha, nem messias de arma na mão” e põe um Jesus negro desfilando na avenida, ou quando a Acadêmicos do Vigário Geral leva ao sambódromo um palhaço com faixa presidencial e arma na mão, simbolizando o presidente Jair Bolsonaro.
Foi diante desse contexto que o Levante realizou o “Festival da Resistência” que contou debates entre artistas e/ou militantes sobre temas diversos como: racismo; fascismo; arte e cultura; meio ambiente; periferias e solidariedade; dentre outros. Tudo isso combinado com apresentações de música, poesia, fotografia, audiovisual, através de alguns convidados e outros que se inscreveram no edital do Festival, que tinha como um dos objetivos abrir espaço para uma nova geração de artistas que está produzindo muita arte e resistência!
O Festival da Resistência marcou esses dias de isolamento social conectando numa só batida milhares de jovens de norte a sul do país com uma mensagem de resistência, força e esperança, com muita troca e muito aprendizado, com muita ousadia e rebeldia. Passaram por esses 5 dias de Festival o Gog, a Benedita da Silva, a Preta Ferreira, a Petra Costa, o Gregório Duvivier, o Preto Zezé, a Bela Gil, o Leonardo Boff, o João Pedro Stedile, o Guilherme Boulos, A Jandira Feghali, a Gleisi Hoffmann, o Pastor Henrique Vieira, a Gabi da Pele Preta, a Bixarte, a Potyguara Bardo, Mãe Beth de Oxum, a banda Francisco El Hombre dentre tantos outros que estão na linha de frente da resistência democrática no Brasil.
É tempo cantar a liberdade, de cantar a igualdade, de gritar contra o fascismo, o racismo, o machismo e a LGBTfobia. É tempo do grito dos entregadores de Apps, dos jovens trabalhadores precarizados. É tempo de gritar pela saúde! E para que as vidas de uns não valham mais que a vida de outros. É tempo de gritar o nosso grito, de cantar a resistência do nosso tempo, de se inspirar na história e reinventar as formas de luta. É tempo de cantar o verbo “esperançar” como nos ensinou Paulo Freire: “Esperançar é construir, esperançar é não desistir! Esperançar é levar adiante, esperançar é juntar-se com outros para fazer de outro modo”.
Edição: Rodrigo Durão Coelho