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Papo Esportivo | E se um jogador do seu clube resolvesse se assumir homossexual?

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As punições aos clubes e seleções por conta de ofensas e preconceitos ainda é tratada como exagero por grande parte da imprensa e dos torcedores - Reprodução
Antes de dar a sua resposta, precisamos esclarecer: o futebol é um ambiente hostil à população LGBTI

No último domingo (28), celebramos o Dia do Orgulho LGBTI. A data faz menção à histórica revolta dos frequentadores do Stonewall Inn (bar da cidade de Nova York) ocorrida no ano de 1969. Naquele dia, as pessoas que frequentavam o local reagiram a uma série de batidas policiais que eram relizadas com frequência. O levante contra essa perseguição durou mais de duas noites e resultou na organização da primeira parada do Orgulho LGBTI, realizada no dia 1º de julho de 1970.

A data mencionada anteriormente e seu significado foram amplamente lembrados por jornalistas, ativistas, pessoas comuns e também pelos nossos clubes de futebol. Vários deles usaram as suas redes sociais para pedir respeito, tolerância e empatia dos seus torcedores que, não obstante, compartilhavam as publicações como se fosse mais um título conquistado pelo seu time do coração.

No entanto, por mais que tenhamos avançado muito nas questões de tolerância e de combate à homofobia, os mesmos ativistas LGBTI garantem que o caminho ainda é longo. Falando do esporte (nossa área), vemos sim mais e mais atletas de renome se assumindo e se juntando a outros na luta contra o preconceito. Mesmo assim, o número de ameaças recebidas por pessoas que resolveram “sair do armário” ainda é muito grande.

Já é público e notório que nossa sociedade tem uma enorme dificuldade em aceitar que tem problemas sérios com quem é diferente dos padrões impostos.

Ao mesmo tempo, enquanto o preconceito não é verdadeiramente combatido em todos os seus aspectos, as tais publicações nas redes sociais acabam soando com uma espécie de “habeas corpus” para que uma pessoa ou uma institução não seja “cancelada” por não defender esta ou aquela causa. E isso vale para clubes, jogadores e até mesmo torcedores. Afinal, ninguém gosta de ser chamado de preconceituoso. Mesmo que seja.

Eu sei que o Dia do Orgulho LGBTI já passou. No entanto, diante de tudo o que foi relatado anteriormente, eu gostaria de propor uma reflexão bem simples para cada pessoa que está lendo (ou ouvindo) esta coluna:

qual seria a sua reação se um jogador do seu time do coração resolvesse se assumir homossexual? Você ficaria feliz? Você acharia ruim? Ou isso não faria a menor diferença?

Antes de você dar a sua resposta, precisamos esclarecer algumas coisas. A primeira delas é que o velho e rude esporte bretão é um ambiente completamente hostil para a população LGBTI. Vide o que aconteceu (e ainda acontece) com jogadores como Richarlyson. Não me refiro ao atacante do Everton (clube da Inglaterra) e da Seleção Brasileira, mas ao volante campeão por São Paulo e Atlético Mineiro. Já mencionei aqui neste espaço como os “juízes da moral e dos bons costumes” são completamente intolerantes com o veterano de 37 anos (sendo que este nunca se assumiu de fato) e fazem vista grossa para situações muito mais graves dentro e fora das quatro linhas.

Na prática, é como se o simples fato de ser homossexual fosse algo imperdoável e intolerável no meio futebolístico.

Outro ponto que precisa ser esclarecido está na diferença de tratamento entre o futebol masculino e o feminino. Pode parecer que existe uma certa “tolerância” com as atletas que assumem seus relacionamentos homoafetivos. No entanto, a atacante Cristiane (atleta do Santos e da Seleção Brasileira) já afirmou mais de uma vez que sofreu muito quando resolveu se assumir lésbica e chegou a perder patrocínios por isso. O preconceito é o mesmo e talvez até mais cruel, já que o futebol feminino sofre com vários outros problemas como a falta de estrutura adequada e uma certa má vontade da grande imprensa. Na prática, é como se essas mulheres não existissem e fizéssemos questão de mantê-las no anonimato. Jogar bola e fazer uns golzinhos, até vai. Mas se assumir lésbica e pedir melhores condições de trabalho e tratamento semelhante ao futebol masculino já é demais pra algumas pessoas...

Há também quem defenda um posicionamento mais indiferente, como se o fato de um jogador ser gay ou não pouco importasse na hora da bola rolar. O grande problema deste tipo de posicionamento é o fato de falarmos de uma indiferença que não existe na prática. Tanto que os xingamentos homofóbicos vindos das arquibancadas e/ou cadeiras dos nossos estádios são tratados como “folclore do futebol” sempre que alguém questiona nosso comportamento. As punições aos clubes e seleções por conta de ofensas e preconceitos ainda é tratada como exagero por grande parte da imprensa e dos torcedores.

Retornemos ao caso Richarlyson. Nunca o vimos envolvido em polêmicas e confusões. Mas é impossível não perceber que as críticas sempre foram muito mais carregadas com relação ao seu comportamento. E vejam bem: estou falando de uma pessoa que jamais se assumiu publicamente. Imagine se o tivesse feito.

Não temos nenhum jogador de futebol que tenha se assumido gay aqui no Brasil num momento em que nossos principais clubes celebraram o Dia do Orgulho LGBTI. Isso não parece estranho pra você?

Sim, amigos, a nossa homofobia ainda está bem viva. Ela fala alto, xinga, espanta a nossa empatia. E mata. Seja com palavras ou com atitudes.

Uma coisa, no entanto, é bem certa: jamais poderemos dizer que o futebol é o esporte de todos enquanto existir qualquer vestígio de preconceito e intolerância por aqui.

Já pensou na sua resposta? Qual seria a sua reação se um jogador do seu time do coração resolvesse se assumir homossexual? E mais: será que os torcedores seriam tolerantes com ele do mesmo modo que são com os outros jogadores heterossexuais? Será que ele teria vaga nos principais times do Brasil depois de ter se assumido? O fato dele ser gay ou não influenciaria no seu julgamento sobre a sua atuação dentro de campo? 

Pense nisso.

Edição: Mariana Pitasse