Ser pescador é ser conhecedor da natureza
Há uma luta por território para além da terra firme. A tradição de pescadoras e pescadores resiste a um modelo de desenvolvimento econômico que ameaça águas, vidas e culturas do nosso país. Entre rios, mangues e mar, o racismo institucional brasileiro se mistura ao racismo ambiental, ameaçando uma prática mais antiga que a própria história oficial do Brasil.
A luta pela sobrevivência da pesca artesanal é bem mais antiga que o desastre com o óleo no litoral nordestino, que permanece preocupando desde o ano passado. A falta de políticas públicas e a depredação ambiental feita por indústrias evidenciam que o Estado brasileiro não reconhece a importância da pesca artesanal ou a de subsistência.
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Ser pescador é ser conhecedor da natureza, conhecer de astronomia, de astrofísica, sem precisar ir para a escola
Além das raízes indígenas, as pescas populares no Brasil agregaram as culturas dos povos africanos e europeus, podendo ser vista em diferentes relações de religiosidade e vínculos com a natureza. Para o educador social Severino Santos, coordenador da Comissão Pastoral dos Pescadores (CPP), ser pescador popular é mais que uma profissão. Ele destaca a característica das ancestralidades que alimentam saberes e relação com a natureza.
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“Ser pescador é ser conhecedor da natureza, conhecer de astronomia, de astrofísica, sem precisar ir para a escola. O pescador para sair para o mar tem que saber da maré, da lua, posição de estrela, de sol, se a maré está boa e se o vento está propício a mudar ou não. Isso é o ser pescador, em que cada um vai aprendendo com o tempo, e não se aprende numa sala de aula”, ressalta.
Severino lembra ainda que, ao subir no barco, todas as pessoas sabem um pouco de tudo sobre o ofício, seja a confecção de artefatos, o jeito de pescar ou o beneficiamento e comercialização dos alimentos. Ao mesmo tempo, Severino reforça uma ausência de políticas específicas para a pesca artesanal no Brasil, mesmo diante da importância cultural e econômica do setor.
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Para se ter ideia, de acordo com Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), 17% do consumo de proteína no mundo é feita pela pesca artesanal, isso sem considerar a pesca industrial.
Pensar a importância da pesca artesanal inclui especificidades de luta. Há interseccionalidade quando também quando entramos pelas questões de gênero e raça. A marisqueira e pescadora artesanal Eliete Paraguassu é uma liderança quilombola baiana, atuante na Baía de Todos os Santos. Ela contextualiza as condições dela e das pessoas que têm a pesca artesanal como seu modo de vida.
“Nesse momento, a principal tarefa para o nosso povo é se manter vivo. Se manter vivo diante desse modelo perverso e assassino que o Brasil tem inventado de desenvolvimento. E a gente tem perguntado, que desenvolvimento é esse que mata, exclui, ameaça?”, indaga.
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A luta de Eliete representa uma realidade de diversas comunidades pescadoras no Brasil. A permanência no território sem água firme encarada na Baía de Todos os Santos é ameaçada constantemente por indústrias petroquímicas do entorno. Neste caso, o Complexo Petroquímico de Camaçari e o Porto de Aratu-Candeias, no estado da Bahia.
Edição: Lucas Weber