Na sexta-feira (26) começa o julgamento pelo Supremo Tribunal Federal (STF) da medida cautelar referente à Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 635, conhecida como "ADPF das Favelas". O processo foi proposto pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB) com a participação de movimentos de favelas, familiares, organizações de defesa dos direitos humanos e Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro (DP-RJ). A ação tramita desde o ano passado com o objetivo de denunciar o estado do Rio pelas mortes durante operações policias nas favelas e periferias. A ideia, com o ato, é de que o estado seja responsabilizado e apresente um plano de redução da violência durante sua atuação nessas localidades.
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“A ADPF é quase uma política pública que a gente está propondo em termos de segurança pública para o estado do Rio. Esse ano, o relator [Ministro Edson] Fachin acatou a ADPF, inclusive apresentando algumas questões já favoráveis: como a proibição do uso do helicóptero como plataforma de tiros e protocolo de segurança para escolas com relação a operações”, detalha Fransérgio Goulart, coordenador executivo da Iniciativo Direito à Memória e Justiça Racial.
Impacto
A "ADPF das Favelas" teve uma vitória significativa, no início do mês de junho, a partir da liminar do Ministro Edson Fachin do STF que suspendeu as operações policiais em favelas do Rio durante a pandemia do novo coronavírus. Um relatório elaborado pelo Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense (GENI/UFF) e da plataforma Fogo Cruzado apontou que nove vidas foram poupadas por semana desde essa decisão. De acordo com o levantamento, entre os dias 5 e 19 de junho, 15 dias desde a decisão do Ministro Edson Fachin, houve uma redução de 75,5% das mortes decorrentes de operações policiais em relação à média de mortes no mesmo período entre os anos de 2007 e 2019.
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Na última terça-feira (23), os autores da ação contra o estado do Rio receberam mais uma notícia satisfatória sobre o julgamento de sexta-feira (26). A Iniciativa Direito à Memória e Justiça Racial, o Coletivo Papo Reto, o Coletivo Fala Akari, a Rede de Comunidades e Movimento contra a Violência e o movimento Mães de Manguinhos se tornaram formalmente amicus curiae da ADPF 635. Isso significa que as organizações mencionadas poderão ser ouvidas e até influenciar a decisão final do julgamento pelas informações adicionais apresentadas para a corte.
Para o jornalista Thainã Medeiros, integrante do Coletivo Papo Reto que atua no Complexo do Alemão, na zona norte da capital fluminense, o reconhecimento de coletivos de favelas pelo STF é histórico para o Brasil.
“Essa decisão é sempre tomada pelos poderosos, pelos que usam o discurso da lei. Eles que tomam as decisões em nosso nome. Dessa vez, estamos vendo uma articulação entre diversas favelas que está resultando numa pressão que chega até o STF. O reconhecimento dessas decisões está dizendo para o Brasil e para o mundo que os nossos esforços são válidos. No meio de tanta derrota, tiroteio, morte e violência ter a nossa voz ouvida é muito importante, principalmente, porque temos que fazer sempre muito esforço para ela ser escutada”, relata.
Expectativa
Na avaliação de Eliene Vieira, integrante do movimento Mães de Manguinhos, que também foi reconhecido como amicus curiae no processo, manter a ADPF 635 é uma questão de vida e saúde mental para os moradores de favelas e periferias. Para ela, responsabilizar o Estado, é uma forma de começar a mudar o rumo da política de segurança do Rio.
“Por que na favela tem que ser pé na porta? Esculacho? Tortura? Agressão? Por que tem que ser assim? É de extrema importância que o Estado seja responsabilizado por todas as vidas que têm na favela, nós somos sujeitos de direito e pagamos imposto como todo mundo. O Estado tem a obrigação de garantir a minha vida e dos meus filhos”, ressalta.
As mães de vítimas da violência de Estado e os movimentos de favelas do Rio de Janeiro enviaram ao STF uma Sustentação Oral Popular (veja acima) para a ADPF 635, pedindo para aos ministros que barrem as operações policiais nas favelas durante a pandemia. O julgamento começa na sexta-feira (26) e a indicação é que se prorrogue até agosto devido às férias coletivas dos Ministros do STF que vão de dois a 31 de julho.
Edição: Mariana Pitasse