Coluna

A paciência revolucionária

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O coletivo é sempre uma totalidade maior que a soma de cada um dos seus militantes. A paciência política é o cimento que mantém a unidade de uma organização
O coletivo é sempre uma totalidade maior que a soma de cada um dos seus militantes. A paciência política é o cimento que mantém a unidade de uma organização - Leandro Taques
A paciência é a primeira qualidade dos organizadores que têm as habilidades para nos manter unidos

"Quanto mais depressa, mais devagar. Quem tudo quer, nada tem. A paciência é a coragem da virtude."

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Sabedoria popular portuguesa

Precisamos conversar sobre militância e paciência política. Refletimos pouco sobre a importância estratégica da paciência. No engajamento socialista valorizamos muito a honestidade de caráter, a personalidade com coragem, ou o brilhantismo da inteligência, a erudição dos estudiosos. Os oradores despertam entusiasmo, porque falam o que gostaríamos ser capazes de dizer, e são os agitadores que nos representam em público. Os propagandistas são admirados porque explicam as ideias do programa que defendemos e nos educam. A paciência é a primeira qualidade dos organizadores.

Os organizadores são aqueles que têm as habilidades necessárias para nos manter unidos. São os facilitadores da ação coletiva que nos protegem dos nossos excessos, que nos ajudam a não brigar uns com os outros por qualquer diferença tática, que defendem a confiança mútua indispensável para uma fraternidade de lutadores. Quem pensa que tem sempre razão, não tem muita paciência para tentar entender os argumentos dos outros. Camaradas assim podem ter qualidades extraordinárias, mas não se adaptam à militância em um coletivo. Ter paciência política é inteligência emocional. 

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Paciência política não é resignação. Paciência é resiliência, serenidade e equilíbrio. Paciência não é indiferença, nem frieza, nem mansidão. Paciência política é autocontrole, disciplina, comedimento. É o domínio de si próprio, discrição e despojamento. É aceitar que somos todos, cada um de nós, diferentes uns dos outros, porém, imperfeitos, cada um à sua maneira. É uma reconciliação com nossas ilusões juvenis imaturas e intempestivas, e com as organizações, igualmente, imperfeitas. 

Ser paciente é compreender que a dinâmica da luta de classes é condicionada por fatores que vão muito além de nossas vontades, e que a urgência de seus tempos pode nos desgastar, e a espera pode não ser breve. É acolher no coração a ideia de que o projeto revolucionário é uma aposta que sempre se renova, em cada luta, em que depositamos a esperança estratégica. Os organizadores são os maratonistas da revolução.

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Não é possível uma militância sem experiência de frustração pessoal. Não há como não sofrer decepções. Precisamos refletir sobre o lugar de cada um de nós, e a qualidade da vivência em nossas organizações. Trata-se da articulação do lugar da individualidade dentro de um coletivo. Há lugar para todos na luta contra o capitalismo.

Mas, encontrarmos o nosso lugar não é simples. Quando somos jovens não nos conhecemos a nós mesmos. Não sabemos do que somos capazes. A própria militância nos ajuda essa descoberta. Mas ninguém se faz a si mesmo sozinho. Aprendemos com os outros. Não podemos nunca esquecer que militância honesta precisa ser um ato de doação. Valorizar a cooperação, e ter gratidão com aqueles que lutam ao nosso lado não diminui ninguém, ao contrário, engrandece. O coletivo é sempre uma totalidade maior que a soma de cada um dos seus militantes. A paciência política é o cimento que mantém a unidade de uma organização.

Em qualquer coletivo humano há, com maior ou menor ardor, conflitos pessoais. Algumas pessoas são especialmente, conflituosas. Não há nada de errado em ter ambição pessoal. É compreensível e previsível que militantes tenham aspirações, projetos, metas, e até pretensões. Desde que elas sejam reguladas por um código de conduta claro que valoriza a honestidade, solidariedade e gentileza, e não a rivalidade, competição, intriga, ou orgulho. 

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Nada é mais importante do que manter a palavra. Ninguém pode ter uma “agenda secreta”. Tudo é uma questão de medida. Mas, como em tudo na vida, o grau do que sentimos, a intensidade do que queremos, faz diferença. Nossas paixões podem ser moderadas e mediadas pelas necessidades e vontades dos outros. Senão, não é possível atuar juntos. Ninguém quer ser manipulado, enganado ou usado pelos outros. Ninguém quer construir escadas para os

Idealizar as organizações socialistas é ingênuo. Elas não estão imunes às pressões sociais hostis de uma sociedade que premia o oportunismo, o arrivismo, o carreirismo. São como cidades sitiadas pelas forças inimigas. Mas não são inexpugnáveis. São vulneráveis às pressões. Pressões de todo tipo, a começar pelas econômicas e sociais, dinheiro e prestígio. Por isso, toda organização séria tem o dever de se proteger, e separar aqueles que não honram os seus compromissos. Somente com muita paciência é possível construir organizações saudáveis.

::Autocrítica não diminui ninguém, engrandece::

Os comportamentos são condicionados por muitas pressões. Devemos discutir os incentivos que movem nossa militância. Não faz sentido diminuir ao infantilismo nossa avaliação do que move as pessoas. Os critérios de uma organização podem favorecer a organização de pessoas de bom caráter, ou atrair vigaristas, cafajestes, trapaceiros. Nem todo mundo é legal. Não pode prevalecer a tolerância com gente desonesta e torta.

Todos e cada um de um de nós estamos em permanente transformação. Para melhor ou pior. Uma militância consistente e séria não é indolor, e exige, também, algum sacrifício, mas o equilíbrio é chave, porque tudo deve ter limites. Militância socialista não é penitência, não é martírio, não é autopunição. Deve ser altruísmo, abnegação, compromisso, mas nunca renúncia. Nossas organizações devem ser, em primeiro lugar, um centro educativo em que encontramos aprovação e reconhecimento. A melhor militância é aquela que está centrada na defesa de um programa. O que deve unir socialistas é um projeto de transformação da sociedade. Sem paciência não é possível.

Edição: Rodrigo Chagas