Deputados da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) apresentaram na semana passada um projeto de lei que poderá evitar a privatização da Companhia Estadual de Águas e Esgotos (Cedae) e que ainda gera mais recursos para os cofres públicos do estado ao longo dos próximos anos.
O PL 2706/2020, de autoria dos deputados Gustavo Schmidt (PSL), André Ceciliano (PT), Zeidan (PT), Luiz Paulo (PSDB) e Lucinha (PSDB) propõe que os empréstimos do estado com a União no Regime de Recuperação Fiscal sejam pagos com recursos da Lei Kandir.
No último dia 20, o Supremo Tribunal Federal (STF) deu fim a um impasse que durava mais de 20 anos entre a União, o Distrito Federal e os estados e homologou um acordo para que R$ 65,6 bilhões sejam repassados aos estados como compensação por Imposto sobre circulação de mercadorias e serviços (ICMS) não arrecadado.
Criada em 1996, a Lei Kandir tinha o objetivo de estimular a competitividade de produtos brasileiros no exterior com isenção de imposto. Sendo o imposto estadual, quem deixou de arrecadar menos foram os estados e, por isso, havia um acordo de que a compensação seria feita pela União, mas o repasse não foi feito.
Agora, a Alerj propõe que a compensação da Lei Kandir que virá para os cofres públicos do estado seja utilizada como em substituição à privatização da Cedae, que era a garantia para o pagamento dos empréstimos com a União no Regime de Recuperação Fiscal.
Ao jornal Monitor Mercantil, o ex-presidente da Cedae e engenheiro Wagner Victer afirmou que a venda da estatal é “totalmente inoportuna e não trará os benefícios alegados; ao contrário trará problemas operacionais”.
“Até do ponto de vista financeiro, isso [PL da Alerj] seria uma ação excepcional para o Estado do Rio, pois o que a Cedae irá lucrar nos próximos 17 anos, que é o período de crédito desses recursos, será algo da ordem, pela média de lucro anual, equivalente a R$ 20 bilhões, o que é um valor pelo menos cinco vezes superior ao que foi dado em garantia na operação bancária”, argumenta Victer.
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"Privatização um é tiro no pé"
Em entrevista ao Brasil de Fato, o funcionário da Cedae e presidente do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Purificação e Distribuição de Água e em Serviços de Esgotos de Niterói e Região (Sindágua-RJ), Ary Girota, criticou não só o momento em que o governador Wilson Witzel (PSC) coloca em prática a privatização da companhia, como também atacou os pontos da proposta.
"Estamos em plena pandemia da covid-19, com uma curva em ascendência de infecções e mortes. Como se coloca na rua um edital desse, com duas audiências públicas nos próximos meses, mas que na verdade serão audiências virtuais? A quem interessa esse processo de entrega da distribuição de água em 65 municípios?", questionou Girota.
O funcionário da Cedae destaca o fato de que a companhia tem anualmente lucro na casa de R$ 1 bilhão e que empresas privadas não fazem o devido investimento em saneamento, como o estado é obrigado a fazer. Ary disse que processos de privatização de tratamento de água e esgoto deram errado em diversos países.
"Paris, Berlim, Nova York, Buenos Aires, em vários municípios do Tocantins e em mais de 240 cidades em todo o mundo se reestatizou o serviço de tratamento de água e esgoto, porque as empresas que administram só querer lucro, não querem investir. E aí, o Estado teve que reabsorver. No nosso caso, é ainda mais grave, porque a Cedae é uma empresa que gera lucro", argumenta.
Edital
Além do edital de concessão, o governo estadual e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) abriram uma consulta pública, nesta semana, que vai até o dia 8 de julho em que a população poderá fazer sugestões ao projeto. Segundo Ary Girota, o edital traz informações imprecisas sobre a gestão da companhia.
"O edital prevê investimento de R$ 2,4 bilhões nos dois primeiros anos. Com esse valor, você começa o saneamento da Rocinha e do Complexo do Alemão e não termina. A Cedae pode investir muito mais que os R$ 30 bilhões que o edital supõe que será feito pela iniciativa privada",comenta Girota.
O representante dos trabalhadores da Cedae lembrou que o edital propõe a privatização dos serviços de distribuição, menos custosos e mais lucrativos, mas que o estado fica com a parte mais custosa do processo de captação, produção e tratamento. "A distribuição já está pronta, enquanto a produção, devido à grande poluição das baicas hidrográficas, tem custo muito maior".
Ary Girota disse ainda que Witzel não tem uma política de Estado ao deixar de considerar que "na inciativa privada, primeiro se separa a cota de lucro dos acionistas, depois é que se vai ver o que investe no serviço" e não ter a população em conta, já que "onde o sistema foi privatizado o problema sanitário não foi resolvido e as tarifas são 40% mais caras que a da Cedae".
O sindicalista garantiu que a proposta de Witzel não tem boa recepção na Alerj e que mais de 50% do parlamento fluminense é contra a privatização. "Os números do BNDES não retratam a realidade. E quem tem um mínimo de consciência e de visão estratégica percebe que essa concessão é de uma irresponsabilidade sem tamanho", criticou.
Edição: Mariana Pitasse