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Memória

Opinião | Miguel Baldez: ícone da advocacia popular brasileira falece no Rio

Advogado atuou na luta pela terra e moradia, acumulando trajetória resistência ao lado dos movimentos populares

Brasil de Fato | Rio de Janeiro (RJ) |
Na última quarta-feira (10) faleceu o professor e advogado popular Miguel Baldez no Rio de Janeiro - Divulgação

Na última quarta-feira (10) faleceu Miguel Baldez. Nascido em 1930, filho único de mãe costureira, tocou pandeiro nas rodas de samba e jogou futebol no subúrbio do Rio de Janeiro. Foi militar, funcionário da Pan Air, advogado, sócio da agência de viagens Balvan, funcionário da Superintendência de Urbanização e Saneamento (SURSAN), entre muitas outras funções. 

Formou-se em Direito em 1955, na Faculdade de Ciências Jurídicas do Rio de Janeiro, depois incorporada à Universidade Gama Filho. Foi professor na Universidade Cândido Mendes e no Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (IBMEC). Ajudou os estudantes a criarem núcleos de assessoria jurídica universitária em faculdades de direito do Rio de Janeiro. Coordenou o curso de direito social na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) por 12 anos. 

Foi procurador do Estado, a partir de 1963, onde coordenou o núcleo de terras, a partir de 1982. Trabalhou com Darcy Ribeiro, coordenando desapropriações para a implantação dos Centros Integrados de Educação Pública (CIEPS), no primeiro Governo Brizola (1983-1987). Participou ainda da criação do núcleo de terras da Defensoria Pública. 

Baldez fez parte da criação do Movimento Direito Alternativo, onde apresentou a ideia do direito insurgente, junto com Miguel Pressburguer. Nas suas palavras [em entrevista feita por Luiz Otávio Ribas no dia 21 de julho de 2015], seria um direito contra o direito vigente, um direito de guerra:

Eu acho que a nossa luta é a construção do socialismo, e essa luta passa por todos os campos, principalmente o campo jurídico. Eu concebo essa feição do direito como direito de insurgência. O direito dessa camada excluída da população.

Apoiou ocupações de terra do Movimento dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais Sem Terra (MST). Nas suas palavras, o MST escreveu uma nova dimensão política com conotação jurídica. A ocupação de terra seria assim um grande ato político com grande feição jurídica também. O movimento construiria o direito a partir da ocupação da terra. 

Participou da criação do Instituto Apoio Jurídico Popular (AJUP), em 1986. Nas décadas seguintes dedicou-se ao Conselho Popular, com apoio a inúmeras lutas pelo direito à moradia, como o da comunidade do Horto Florestal.  Fundador da Rede Nacional de Advogados e Advogadas Populares (Renap) e do Instituto de Defensores de Direitos Humanos (DDH). Recentemente, criou o Instituto de Estudos Críticos do Direito e escrevia até 2012 no seu blogue intitulado A luta pela terra.

Publicou inúmeros artigos em revistas, capítulos de livros, folhetos como Sobre o papel do direito na sociedade capitalista - Ocupações coletivas: direito insurgente, publicado em 1989 pelo Centro de Defesa dos Direitos Humanos (CDDH), de Petrópolis. Em 2018, foi publicada obra coletiva Pelos caminhos da solidariedade: estudos de homenagem a Miguel Lanzellotti Baldez, organizada por Márcia Fernandes.

Atuou em conflitos possessórios em todo Brasil. Participou da Articulação Nacional do Solo Urbano. Atuou na regularização fundiária de comunidades da zona Oeste da cidade do Rio de Janeiro. Junto com padres da igreja católica, atuou também na área rural das cidades do interior do estado como Volta Redonda, Friburgo, Duque de Caxias e Nova Iguaçu. Ainda trabalhou na regulamentação dos assentamentos da reforma agrária em Nova Iguaçu, Paracambi e Píraí.  

A ocupação Manuel Congo, na Cinelândia, centro da capital, deu seu nome para a sala de estudos. Quando recebeu a medalha Pedro Ernesto, da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), fez questão que Dom Valdir Carneiro estivesse junto. Para homenagear o Miguel Baldez, utilizamos a mesma epígrafe que escreveu para Dom Valdir Carneiros:

Morreu Miguel Baldez, os companheiros da Igreja dizem que foi para o céu, haja céu pra receber uma alma tão grande!

*Luiz Otávio Ribas é assessor técnico na Associação Estadual de Defesa Ambiental e Social (Aedas) e pesquisador do Instituto de Pesquisa, Direitos e Movimentos Sociais (IPDMS).

Edição: Mariana Pitasse