Durante a pandemia, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) virou notícia ao doar 1,2 mil toneladas de alimentos, produzidos em acampamentos e assentamentos, para populações vulneráveis no Brasil. As ações de solidariedade, que ajudam a evitar o desabastecimento em meio à crise sanitária, também ocorrem fora do país e começaram muito antes da covid-19.
As brigadas internacionalistas do movimento atuam em outros dois países latino-americanos, Haiti e Venezuela, e também estão presentes na Zâmbia, centro-sul da África.
Haiti
A Brigada Internacionalista da Via Campesina Brasil no Haiti foi batizada em homenagem a Jean-Jacques Dessalines, um dos heróis da revolução que levou à independência do país em 1804.
Os trabalhos começaram em janeiro de 2009 e se intensificaram no ano seguinte, após um terremoto que matou 316 mil pessoas e deixou 1,2 milhão desabrigados na capital Porto Príncipe e em cidades vizinhas.
O MST contribuiu no envio emergencial de alimentos produzidos no Brasil, ajudou a implantar sistemas de captação de água e construiu um centro nacional de agroecologia – incluindo um galinheiro com capacidade para 7 mil frangos. A brigada Dessalines também passou a coordenar um banco de sementes de arroz, milho e feijão.
“O coronavírus se soma a um contexto de crises históricas, estruturais, e intensifica uma crise sanitária que já era grave desde os tempos do cólera”, explica Paulo Henrique, militante do MST e membro da brigada. O país já registrou 2.507 casos e 48 mortes por covid-19.
Segundo o militante, a eleição do presidente Jovenel Moïse, em 2016, aprofundou a instabilidade política e a crise econômica, piorando as condições de vida da população e provocando reações populares em todo o país.
“É um governo que aplica a política neoliberal, com uma economia cada vez mais dependente do imperialismo dos Estados Unidos, e que nesse cenário de pandemia não está fazendo nada para proteger a população. Ou seja, é um Estado totalmente ausenta da vida do povo haitiano”, critica.
Hoje, a brigada Dessalines atua em quatro frentes. A primeira dimensão é produção de alimentos em parceria com o Tet Kole ti Peyizan Ayisyen, movimento camponês que visa construir a soberania alimentar no Haiti. Além disso, os brigadistas contribuem na distribuição de mudas para os camponeses, para estimular o reflorestamento, e de máscaras para o conjunto da população.
A quarta frente de atuação são as articulações políticas com movimentos populares que se organizam para lutar contra o regime de Moïse.
::Haiti à beira do precipício com governo ilegítimo pró-EUA e surto de coronavírus::
Venezuela
O trabalho do MST na Venezuela começou há 15 anos. A primeira tarefa era prestar apoio à Revolução Bolivariana por meio da formação política e da cultivo de alimentos saudáveis. A brigada leva o nome de Apolônio de Carvalho, militante e intelectual brasileiro falecido em 2005.
Em meio à guerra econômica promovida pelos Estados Unidos, que se agravou em meio à pandemia, os integrantes do MST trabalham para garantir soberania alimentar e evitar o desabastecimento.
A produção de sementes crioulas e agroecológicas no país vizinho é realizada em parceria com o Estado venezuelano e com a Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO).
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O novo coronavírus infectou 1.819 venezuelanos e provocou 18 mortes no país até o momento. Como o número de casos está sob controle, em comparação com países vizinhos, a saúde alimentar continua sendo a prioridade.
O técnico agrícola Rafael Quiroga, militante do MST, atua no estado de Mérida, nos municípios Andres Bello e Campo Elías. “Nosso trabalho aqui visa compartilhar conhecimentos e experiências em agroecologia para produção de sementes, hortaliças e grãos. Assessoramos as famílias na produção de sementes, extração, limpeza, secagem e armazenamento”, conta.
“Temos o sonho de ajudar a construir uma cooperativa semelhante à Bionatur, com a cara venezuelana. Temos aprendido muito das experiências de luta, resistência e organização do povo venezuelano”, acrescenta Quiroga.
A agrônoma Patricia Balbinotti trabalha na comuna El Maizál, no estado de Lara, e considera que o estímulo à produção de alimentos saudáveis é uma tarefa central na conjuntura venezuelana. “Estamos tentando fazer um processo de transição agroecológica, recuperando o solo com a utilização de adubo orgânico”, relata a militante, que também realiza formação em agroecologia para as famílias camponesas que vivem na comunidade.
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Zâmbia
A brigada internacionalista na Zâmbia leva o nome de Samora Machel, revolucionário que liderou a independência no país vizinho, Moçambique, em 1975.
A Zâmbia tem, oficialmente, 1.089 infectados e 7 mortes por covid-19. A situação está aparentemente controlada, mas pode haver subnotificação.
Integrantes da brigada chamam atenção para o aumento do número de mortos diagnosticados com AIDS e gripe, por exemplo. Ou seja, é possível que a baixa imunidade dos soropositivos tenha alavancado o número de mortes por coronavírus – ao definir os casos como gripe, o governo estaria subdimensionando o problema.
Durante uma quarentena fortemente militarizada, os militantes do MST atuam basicamente na distribuição de sementes e equipamentos de saúde, negligenciada pelo governo, e em articulações políticas para proteção dos direitos dos camponeses. Na última semana, a brigada doou ao Partido Socialista da Zâmbia – principal força progressista de oposição do país – 400 litros de higienizador de mãos e 400 máscaras de tecido, que serão distribuídas nas periferias.
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Dos 17 milhões de habitantes, mais de 10% vivem na capital Lusaka. O país tem poucas áreas urbanas, que concentram 44% da população. As cidades têm condições precárias de saneamento e acesso a água. As famílias dependem da economia informal e costumam viver aglomeradas, o que aumenta o risco de contaminação.
Contrariando as orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS) e ignorando o aumento da curva de casos de covid-19, o governo flexibilizou há poucos dias as medidas de isolamento, autorizando a abertura de restaurantes, bares, parques, salões de beleza e academias. O coordenador da brigada e militante do MST, Fabio Pimentel, acrescenta que já foi sinalizada a possibilidade de retorno às aulas nas universidades e de retomada parcial das atividades nas escolas públicas.
Na zona rural, a brigada defende que o Estado garanta políticas de compra pública da produção dos camponeses, com os devidos cuidados de proteção aos agricultores.
Quase 55% dos zambianos vivem na extrema pobreza e apenas 46% tem acesso a água potável. A expectativa de vida é de 59 anos, e 12,4% das pessoas com idade entre 15 e 49 anos são portadoras do vírus HIV.
Edição: Rodrigo Chagas