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Papo Esportivo | Protestos: quem são os verdadeiros patriotas?

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Torcidas organizadas de vários clubes do país saíram às ruas para fazer aquilo que deveríamos estar fazendo há muito tempo: defender a democracia - Pam Santos
Torcidas organizadas de vários clubes saíram às ruas no domingo (31) para defender a democracia

A nossa querida Wikipédia diz que patriotismo é “o sentimento de orgulho, amor, devolução e devoção à pátria, aos seus símbolos (bandeira, hino, brasão, riquezas naturais e patrimônios material e imaterial, dentre outros) e ao seu povo”. Outra definição trata do “espírito de solidariedade entre pessoas que tenham interesses comuns, constituindo um Estado, e que, ao viver sob mesmas leis, as respeitem com ânimo maior que o ânimo que empregam na defesa de interesses privados e ambições particulares, sem avareza”.

O tal patriotismo pode se manifestar nas pessoas das mais variadas maneiras. Por exemplo, o artista que utiliza suas habilidades na escrita, no canto, na dança, no cinema ou na pintura para retratar o país onde vive é, por assim dizer, um patriota. Há a identificação da sua obra com sua nação e as pessoas conseguem fazer a relação entre uma coisa e outra. Não por acaso, mais um exemplo, o Brasil ficou conhecido como o “país do carnaval” lá fora.

Mas isso também acontece no esporte. Quantas vezes vimos as ruas pintadas de verde e amarelo quando a Seleção Brasileira iniciava a sua participação numa Copa do Mundo? Quantas vezes vibramos com nossos atletas levantando troféus nas mais variadas modalidades esportivas? E quantas vezes nos emocionamos com cada um deles quebrando recordes e ostentando medalhas douradas nas edições dos Jogos Olímpicos?

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E talvez o principal símbolo desse “patriotismo deportivo” mencionado por este colunista seja a camisa da nossa Seleção Brasileira. Aquela amarelinha. Aquela que esteve presente em cinco conquistas de Copa do Mundo brindando os amantes do velho e rude esporte bretão com atuações mágicas como as conquistas de 1958 e 1962, o ápice do futebol-arte em 1970, o título conquistado na base da garra em 1994 e a última taça levantada com brilhantismo em 2002. Também somos o “país do futebol”, lembram? Daqui saíram nomes como Pelé, Garrincha, Didi, Gérson, Zico, Rivellino, Sócrates, Romário, Ronaldinho Gaúcho, Marta, Cristiane, Sissi, Formiga e várias outras lendas do nosso futebol.

Sim, tínhamos orgulho de vestir a camisa da nossa Seleção Brasileira. É uma pena, no entanto, que eu esteja usando o verbo no passado.

De alguns anos pra cá, o manto canarinho foi tomado como símbolo do atraso, do preconceito e da mesquinhez. E não, não estou me referindo à CBF e aos seus trambiques e negociatas. Me refiro a algumas pessoas que se dizem cidadãos de bem, que vestem a camisa da Seleção Brasileira, colocam a bandeira do Brasil no Twitter, falam em Deus, em bons costumes, mas que adoram pagar de autoritário e pedir o retorno da ditadura militar e um novo AI-5. Falo das pessoas que atacam a imprensa apenas por não divulgarem aquilo que elas querem como se fôssemos obrigados a trabalhar como meros assessores de imprensa. Das pessoas que minimizam o racismo estrutural da nossa sociedade, os problemas graves de distribuição de renda e desigualdade social, o preconceito e a violência contra a mulher, que chegavam até a pregar o extermínio de minorias para que a “república esteja livre de comunistas”.

Nos últimos meses, mesmo com a pandemia da covid-19 e as recomendações das autoridades sanitárias para que saíssemos de casa somente quando fosse estritamente necessário, essas pessoas vestiram a camisa da Seleção Brasileira e saíam para as ruas em carreatas pregando a sobrevivência do CNPJ em detrimento do CPF e debochando das mortes provocadas pelo novo coronavírus. O nível é tão baixo que até mesmo símbolos e bandeiras utilizados por nazistas na Segunda Guerra Mundial e ultra-nacionalistas europeus são empunhados e desfraldados por essas mesmas pessoas vestidas com a camisa da Seleção Brasileira.

Mas os deuses do velho e rude esporte bretão estão olhando por nós. Aliás, eles nunca nos desamparam. Nem no famigerado 7 a 1.

No último domingo (31), eu e você nos deparamos com membros de torcidas organizadas de Corinthians, Palmeiras, Santos, São Paulo, Flamengo, Botafogo, Atlético Mineiro e vários outros clubes do país saindo às ruas para fazer aquilo que deveríamos estar fazendo há muito tempo: defender a democracia e combater o autoritarismo vindo das pessoas que deturparam o significado da camisa da Seleção Brasileira.

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Prontamente todos eles foram bombardeados com xingamentos, gás lacrimogênio e os cacetetes da polícia que fazia vista grossa para quem exibia símbolos do nazismo e até mesmo para quem ameaçava quem discordava deles ou teve o azar de sair com uma camisa vermelha na rua nesse mesmo dia. Mesmo assim, seguiram firme e mostraram que a democracia não será alijada novamente. Mas nem que a vaca tussa.

Voltando ao início da nossa coluna, acredito que o melhor significado de “patriotismo” seja do grande diretor de cinema Spike Lee. Ele disse:

Sempre acreditamos na promessa daquilo que nosso país pode ser; somos muito patrióticos. Mas, para mim, o patriotismo vem do poder de dizer a verdade. Denunciar as injustiças desse país é um ato de patriotismo.

Enquanto lá nos Estados Unidos, o povo sai às ruas para protestar contra o assassinato de Goerge Floyd e todo o genocídio da população negra, o dia 31 de maio marcou o início de uma reviravolta na narrativa dos acontecimentos aqui no Brasil. Finalmente deixamos a inércia de lado e fomos lutar pela nossa democracia e protestar contra o genocídio dos nossos negros e pobres. Clubes rivais dentro de campo se uniram contra a barbárie e a bile de quem espalha o ódio vestindo a camisa da Seleção Brasileira.

Os verdadeiros patriotas defendem a democracia e repudiam ditaduras e atos institucionais. E assim como a pandemia da coivd-19 vai acabar em algum momento, a camisa da Seleção Brasileira voltará a ter o significado que sempre teve: a de um povo feliz com o futebol e animado com o carnaval.

Torcidas anti-fascistas do Brasil, uní-vas. Estamos todos juntos nessa luta.

Aquele abraço e se cuidem.

Edição: Mariana Pitasse