"Senso crítico"

Juristas analisam ação do STF e pedido de Aras para suspender inquérito das fake news

Especialistas alertam para o "jogo de poder" que disputa as instituições democráticas do país; leia as análises

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

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Jair Bolsonaro (sem partido) e o procurador-geral da república Augusto Aras, que pediu a suspensão do inquérito contra a rede de fake news bolsonarista nesta quarta-feira (27). - EVARISTO SA/AFP

Após a ação do Supremo Tribunal Federal (STF) que autorizou a busca e apreensão da rede de fake news bolsonarista pela Polícia Federal (PF), nesta quarta-feira (27), o procurador-geral da República, Augusto Aras, pediu ao ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), a suspensão do inquérito.

O pedido foi feito com base na ação de autoria da Rede Sustentabilidade, que questiona o inquérito, por ter sido aberto pelo próprio STF, com base em seu Regimento Interno, sem a participação do Ministério Público Federal (MPF), única instituição que tem como atribuição de propor ações penais. 

Embora o procurador-geral da República e a Advocacia Geral da União (AGU) já houvessem declarado anteriormente apoio ao inquérito, o argumento de Aras é que os desdobramentos não foram encaminhados ao MPF.

No pedido, Aras afirma que a Procuradoria-Geral da República (PGR) foi “surpreendida” pelas ações realizadas hoje e que o fato reforça “a necessidade de se conferir segurança jurídica” ao inquérito, “com a preservação das prerrogativas institucionais do Ministério Público de garantias fundamentais, evitando-se diligências desnecessárias, que possam eventualmente trazer constrangimentos desproporcionais”. 

Entre os nomes investigados pela operação, que apura a relação das fake news com as ameaças contra ministros da Corte, estão os apoiadores de Jair Bolsonaro (sem partido). Entre eles o empresário Luciano Hang, o ex-deputado Roberto Jefferson, condenado por corrupção, o deputado estadual Douglas Garcia (PSL-SP), e os blogueiros Allan dos Santos e Sara Winter.

Um dos fatores apontados por Augusto Aras no pedido é o chamado “sistema acusatório”, em que mesmo na fase investigativa, pré-processual, independentemente da forma como foi instaurado o inquérito, os direitos e garantias fundamentais de investigados devem ser observados. Por isso, do ponto de vista do procurador, é indispensável a supervisão do Ministério Público caso se façam necessárias diligências com a participação da polícia judiciária ou que impliquem restrição de direitos individuais.

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"Jogo de poder"

A advogada e integrante da Executiva Nacional da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD), Tania Maria de Oliveira, afirma que, do ponto de vista jurídico, o ministro Alexandre de Moraes deveria ter dado ciência da ação investigativa ao MPF, mas aponta para a complexidade política do caso e para o "jogo de poder" que disputa as instituições democráticas do país atualmente

“Ele [o ministro Alexandre de Moraes] obviamente não fez isso porque imaginou que o Augusto Aras informaria a turma no Bolsonaro, já que ele foi indicado pelo presidente. Estamos nesse pé, não tem ninguém correto nessa história”, opina.

Embora para a jurista o inquérito das fake news pelo STF deva ser observado de forma crítica desde a sua instalação, visto que “a resposta do Poder Judiciário precisa ser jurídica, não pode ser política”, o fator apontado pelo procurador-geral não é motivo para a suspensão das investigações. Para ela, a operação é “absolutamente legitima” e está baseada em fatos que estão sendo investigados dentro do Congresso Nacional pela CPMI da Fake News.

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“Esse caso a gente precisa olhar mesmo com senso crítico, existe a legalidade da operação, tudo o que foi colocado na CPMI das Fake News precisa ser investigado, essas pessoas que estão sendo colocadas hoje, elas estão verdadeiramente envolvidas nos disparos ilegais, na produção de fake news. A questão que me fica é se no dia de hoje essa operação estava prevista para acontecer, se não estava o Poder Judiciário está mais uma vez agindo além daquilo que lhe é devido, isso não é bom para a democracia”, analisa Tânia.

Essas pessoas que estão sendo colocadas hoje, elas estão verdadeiramente envolvidas nos disparos ilegais, na produção de fake news.

"Seletivo"

Lênio Streck, pós-doutor em Direito pela Universidade de Lisboa e membro catedrático da Academia Brasileira de Direito Constitucional (ABDConst), entende que há legalidade no inquérito do Supremo Tribunal Federal, uma vez que o regimento interno garante ação quando à ataques a corte.

“Quem recorre das atitudes e das decisões do procurador-geral da Republica? Ele tem a palavra final, ele é um poderoso da República, a parcela da soberania estado esta na mão dele, se ele não quiser denunciar ninguém, ele não denúncia, e se ele não quiser fazer diligencias, ele não faz. Sim, mas ai termina por isso mesmo? Esse é o ponto em que o Supremo Tribunal tem grandes argumentos jurídicos que o regimento interno, existe exatamente para isso”, afirma.

Ele aponta que os tribunais legais de outros países têm essa prerrogativa quando há ataques diretos e cita a ameaça da ativista bolsonarista investigada no inquérito das fake news, Sara Winter. Em vídeo postado nas redes sociais hoje, ela ameaça "essa foi a pior decisão da vida" de Moraes e que o ministro "nunca mais vai ter paz".

Para o jurista o STF não precisaria se defender, “se a procuradoria-geral da República assim o fizesse” e ressalta que o argumento do sistema acusatório apontado por Aras para suspensão do inquérito é “seletivo”.

“Interessante é que quando se pede que o PGR respeite o sistema acusatório, eles negam. Ele é o MP no todo. E hoje o PGR entra como ação de descumprimento utilizando todos os argumentos do sistema acusatório. Só que essa questão é mais complexa, porque ela tem uma dimensão do lugar que isso está sendo posto, porque o Supremo Tribunal está agindo, e o procurador-geral da Republica, que tem a palavra final sobre os processos criminais está se negando”, avalia.

Inquérito

O inquérito foi aberto em março do ano passado, por determinação do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli. E apura a relação das fake news com as ameaças contra ministros da corte. O relator do caso no STF é o ministro Alexandre de Moraes.

Moraes já havia proferido decisão para que os delegados que estão nas investigações não fossem removidos dos seus postos pela Polícia Federal (PF). A decisão ocorreu dois dias depois da reunião ministerial de 22 de abril, na qual o presidente Jair Bolsonaro expôs sua disposição de interferir na PF.

O processo foi baseado em denúncias de que a rede de disseminação de notícias falsas a favor de Bolsonaro, com uso de robôs e disparos em massa, permanece ativa. O esquema estaria funcionando desde 2018, depois de ter atuado no período eleitoral. O processo corre em segredo de Justiça.

Edição: Rodrigo Chagas