O Jacarezinho é um pouco o retrato do sofrimento das periferias do Rio de Janeiro frente ao novo coronavírus. A doença é apenas mais um problema, entre tantos outros, com que os moradores precisam lidar. Antigas necessidades se acentuam, enquanto a ausência de políticas públicas que garantam a cidadania das pessoas fica mais evidente.
Segundo levantamento do Voz das Comunidades, a favela tem hoje 13 casos confirmados de covid-19, sete pessoas mortas e seis recuperadas. No dia 27 de abril, a UPA de Manguinhos, referência para a população da região, decretou restrição de atendimento, devido à falta de profissionais da saúde. A unidade tem atuado com apenas dois médicos.
As operações policiais são mais um entrave que impede até as ações assistenciais aos moradores, como a distribuição de cestas básicas. Na véspera do dia das mães, a Organização Rio de Paz, que atua no Jacarezinho, precisou interromper a entrega de alimentos, por causa de uma operação iniciada pela Polícia Militar.
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De acordo com o laboratório de dados Fogo Cruzado, das 4.190 unidades de saúde que atendem a região metropolitana, 577 (14%) foram afetadas por tiroteios no seu entorno em dois meses de quarentena. Dos 992 tiroteios que ocorreram na região do Grande Rio, 302 (30%) aconteceram em um raio de até 300 metros de distância das unidades públicas de saúde. No Jacarezinho, desde o início da quarentena foram registrados cinco tiroteios.
Formas de resistência
A favela está localizada na Zona Norte e possui um dos piores Índices de Progresso Social (IPS) entre as comunidades do Rio de Janeiro, como mostram os dados do Instituto Pereira Passos (IPP) através de uma ferramenta que avalia necessidades básicas, fundamentos do bem-estar e oportunidades. Em uma escala de zero a 100, o IPS do Jacarezinho marca 43,53. Bairros como Lagoa e Botafogo possuem IPS superiores aos da própria cidade do Rio (60,7), marcando 85,18 e 86,90 respectivamente.
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“O amor é uma ferramenta importantíssima, que o favelado sempre soube usar”. A frase é de Rumba Gabriel, morador do Jacarezinho, responsável pelo site Portal Favelas. Ele defende que a solidariedade é o elemento que sempre uniu a população periférica. Ela faz com que os moradores se ajudem sempre em meio as dificuldades. “As nossas casas foram construídas através da solidariedade. Imagina você carregar sacos de cimento, metros de terra, de pedra, milhares de tijolos pra cima do morro, e depois construir essas casas? Eram mutirões. Quando acabava, era aquela cachaçada e samba!”, comenta.
A falta de cestas básicas é um dos principais problemas que o Jacarezinho enfrenta neste momento de pandemia. Muitos trabalhadores informais não estão podendo exercer suas atividades, como as manicures, por exemplo. Assim, eles não tem renda para comprar mantimentos.
Outra grande necessidade é a ausência de suporte para retirada das vítimas fatais do vírus. “A pessoa tá morrendo aqui na favela e o corpo fica lá, as autoridades demoram para retirar. E o corpo fica lá na casa. Fica complicado porque o corpo tá infectado e na hora de retirar as pessoas estão fazendo de qualquer maneira”, afirma Rumba. A falta de equipamentos de proteção individual (EPIs) também é bastante sentida pelos moradores.
Mesmo com estes problemas, os moradores se organizam para ajudar. As rádios comunitárias, como a FM Jacaré, divulgam orientações de higienização necessárias. Carros de som circulam pela favela alertando sobre a pandemia. Muitas pessoas têm se voluntariado para subir em caixas de som e espalhar as informações mais importantes nas ruas.
As velhas receitas caseiras, passadas de geração a geração, não ficam de fora e se tornam aliadas para uma boa saúde. Rumba faz questão de lembrá-las: “o nosso povo sempre foi muito atento às coisas que a vovó nos dizia, os remédios caseiros, o boldo, o saião, o própolis, o agrião. Isso ainda perdura; nós ainda temos aqui”.
Fonte: Núcleo Piratininga de Comunicação (NPC)
Edição: Mariana Pitasse