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Campanha valoriza saber das parteiras tradicionais

“Nossas parteiras não têm dia, não tem hora. Sempre ao romper da aurora, não tem hora para chegar” 

Ouça o áudio:

As mãos das parteiras carregam o ofício que é considerado um dom. - Reprodução: Saber da Parteira
“Nossas parteiras não têm dia, não tem hora. Sempre ao romper da aurora, não tem hora para chegar” 

A parteira Dona Prazeres canta “Se você vai dar a luz, meu bem. Não precisa se preocupar.  É somente chamar a parteira, que está sempre pronta para te ajudar”. Essa canção pode ser conferida na segunda edição da série de vídeos Saber da Parteira, na internet. Essa ajuda citada na música já foi realizada mais de cinco mil vezes pela própria mulher que cantou. Dona Prazeres é parteira tradicional desde 1958 e compartilha muitas histórias sobre o ofício. O saber de Dona Prazeres é um exemplo do patrimônio cultural que atravessou gerações e precisa ser preservado.  


Dona Prazeres ganhou o prêmio Bertha Lutz em 2008 pelo trabalho como parteira tradicional / Reprodução: Saber da Parteira

O ofício das parteiras tradicionais surge geralmente por alguma necessidade diante de parturientes, mas sempre está associado a predisposição e dom. Elisabete Maria nasceu no Morro Bom Jesus, em Caruaru (PE). Ela conta que desde os nove anos de idade acompanhava parteiras de região para fazer anotações sobre o nascimento das crianças. 

Aos doze anos Elisabete passou a ser chamada de comadre ao realizar o primeiro parto, com a ajuda das outras parteiras. A vontade de Elisabete era feita escondida da mãe, que não queria a filha partejando. Certa vez a mãe de Elisabete ficou, digamos, desconfiada ao ouvir a filha sendo chamada de comadre pela parteiras da região. Hoje, adulta, Elisabete lembra o caso. 

“Mãe dizia assim: oxente! Por que fulana está lhe chamando de comadre? - Não, mãe! É porque eu fui fazer as anotações do nome dela, do marido, do bebê, a hora que nasceu, o sexo”, lembra.     

Elisabete superou as vontades da mãe e passou a partejar. Mas, ao se casar, encontrou dificuldades porque o marido não gostava dos horários flexíveis do ofício. Elisabete até passou um tempo sem partejar, enquanto passou a desenvolver a função de pedagoga. Mas alguns anos se passaram e Elisabete foi chamada tarde da noite realizar um parto perto de casa.

Esse foi sinal para que a disposição que superou as vontades das mãe voltasse à cena para superar as vontades do marido e, portanto, afirmar a própria vontade dela. Quando bateram na porta de Elisabete, ela prontamente pegou novamente a tesoura, pinça, rolinho de cordão e balança, instrumentos básicos utilizados pelas parteiras. 


Elisabete é parteira tradiconal, além de doula, pedagoga e técnica em enfermagem. / Reprodução: Saber da Parteira

O retorno de Elisabete foi diante de um parto complicado não pelas condições naturais, e sim pelas condições sociais. Ela conta que se deparou com uma parturiente com fome e em situações de moradia que traziam desafios até mesmo se buscar uma posição para a parturiente. Por essas e por outras, Elisabete reforça o coro por valorização e políticas públicas para parteiras tradicionais.    

É nessa ideia que a antropóloga Júlia Morim coordenou a Campanha Saber da Parteira. A iniciativa buscou a valorização dos conhecimentos do ofício através de suporte audiovisual, disponível no Youtube e veiculado na TV Pernambuco, emissora pública estadual. Julia ressalta a importância de se valorizar os saberes das gerações passadas para que as próximas possam também ter acesso.   

“Preservar ou dar continuidade a esses conhecimentos e saberes é importante pelo modo que ele se dá, porque as parteiras atuam pautadas no cuidado. Há uma relação que não é só naquele momento, que é construída. A parteira é reconhecida na comunidade, procurada para outras para coisas além dos cuidados do parto e gestação, mas para questões como saúde, aconselhamento. Esse reconhecimento faz que com ela tenha autoridade também para entrar em questões de família”, frisa. 

A campanha Saber da Parteira é composta por seis vídeos apresentando parteiras tradicionais de Pernambuco e conta com financiamento do Funcultura. Os enredos abordam a valorização dos saberes e a olhar humanizado que as parteiras desenvolvem com seus ofícios. A parteira tradicional pode buscar outros trabalhos, mas mantém sua prestação de serviços sem perspectiva de lucro financeiro. 

Edição: Douglas Matos