A desistência do deputado federal Marcelo Freixo (Psol) em disputar a Prefeitura do Rio de Janeiro nas eleições municipais deste ano trouxe uma mudança inesperada no tabuleiro político da capital fluminense.
A declaração de retirada da candidatura de Freixo aconteceu na última sexta-feira (15), por meio de uma entrevista ao jornal O Globo, em que o parlamentar fez um apelo por unidade no campo progressista. Segundo o deputado, os partidos de oposição ao governo de Jair Bolsonaro (sem partido) precisam "se unir para enfrentar a escalada de autoritarismo que destruindo a vida do povo brasileiro".
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O Brasil de Fato conversou com Tiago Santana, presidente do Partido dos Trabalhadores (PT) do município do Rio, sobre os impactos da decisão de Freixo e as dificuldades encontradas para a construção de uma frente progressista com o objetivo de disputar as eleições municipais do Rio.
Brasil de Fato: Como o PT do Rio avalia a decisão do deputado federal Marcelo Freixo de abrir mão da candidatura à prefeitura da cidade?
Tiago: É uma notícia que pegou todo o meio político de surpresa. O Freixo vinha nos últimos anos, nos últimos processos políticos, se fortalecendo naturalmente como uma grande liderança, tendo voto e alcançando as pessoas, isso foi, inclusive, o que posicionou bem o Psol [Partido Socialismo e Liberdade]. O Psol enquanto partido tem várias lideranças, mas é bem verdade que no Rio de Janeiro talvez seja a maior seção do partido e isso, sem sombra de dúvidas, compete muito ao papel do Freixo. É algo que nos pegou de surpresa, embora a gente já viesse conversando com ele e já sinalizava as dificuldades. Eu acho que isso muda o cenário eleitoral de uma forma que todo mundo vai ter que repensar quem já estava com ele, quem não estava, quem ele estava dialogando e os opositores. Nós do PT vamos fazer um debate interno sobre isso.
Com relação as eleições municipais do Rio, vocês pretendem lançar a candidatura?
Nós mantemos a estratégia da unidade, mesmo com essas tarefas que o PT tinha de se reposicionar enquanto partido, nós hoje temos uma tarefa maior do que tudo isso que é fazer frente a essa "comunhão do mal", que eu costumo dizer sobretudo aqui no Rio de Janeiro. A ascensão do fascismo com o Bolsonaro e o produto disso que foi gerando, o próprio Wilson Witzel, hoje não mais aliado, é fruto dessa política do Bolsonaro e do [Marcelo] Crivella.
Eu digo que hoje no Rio de Janeiro nós vivemos sob o tridente do mal, as três esferas, todas com uma agenda extremamente perversa. Essas forças políticas estão presentes na sociedade, elas tem força e capilaridade, a gente não pode subestimar. E, justamente por isso, não caberia a somente um único partido fazer o enfrentamento. Os exemplos das eleições passadas nos mostraram isso. Então, o nosso espírito era de buscar a unidade e reconhecíamos no Freixo a capacidade dessa liderança de juntar os demais, que não vieram.
Na medida que ele desiste, não é que a gente abre mão da aliança e da possibilidade do debate de aliança com o Psol. Precisamos refazer o debate, porque o Freixo já tinha uma liderança natural de quem concorreu a última eleição e chegou até o segundo turno. Mesmo ele saindo e o Psol recolocando outro nome, nós vamos ter que debater.
A gente continua nessa perspectiva de fazer o entendimento, mas é óbvio que se isso não for possível, o PT vai ter candidato.
Quais as principais dificuldades encontradas para criar essa frente progressista que tenha uma candidatura única?
Há analistas que dizem que o Freixo desistiu porque ele já previa que não conseguiria num segundo turno derrotar o Crivella ou o Eduardo Paes (MDB) por conta do alto índice de conservadorismo que hoje tem no Rio de Janeiro. É verdade, o Rio enveredou por um lado conservador muito grande, mas eu não considero a tal ponto como em 2016, no ápice do golpe, no esgotamento e crise que o PT passava.
Acho que pelos feitos do Bolsonaro, pelos erros do governo do estado e município as pessoas hoje refletem.
O Freixo, na minha percepção, teria menos rejeição porque o que vai ser o determinante para esse processo eleitoral será a agenda que for apresentada para tirar a cidade do Rio de Janeiro desse pântano que a gente vive hoje. Não existe um governo, a prefeitura não consegue governar e ninguém consegue dar alternativa e solução. O Freixo poderia trazer isso, carregado com várias experiências, as nossas do PT que deram certo no governo federal e de outras forças políticas, o problema é que a maioria das forças políticas não coloca em prática o espírito que a gente precisa agora de se despir de outros interesses que não sejam derrotar essa turma e ganhar a prefeitura.
Nós, do PT e do Psol, não fomos chamados, por exemplo, das várias outras vezes que o PSB [Partido Socialista Brasileiro], PDT [Partido Democrático Trabalhista] e até o PCdoB [Partido Comunista do Brasil] fizeram debates com as suas fundações. Inclusive debates que não queriam dizer nada até então, a não ser falar sobre a situação da cidade. Na verdade, não coube ao PT e ao Psol a impossibilidade de junção dessas forças. Ainda faltou maturidade para todo mundo, mas eu acho que não está perdido. Acho que tem a possibilidade, entrando outros atores nacionais, com mais responsabilidade, para tentar fazer um último chamado para construirmos essa unidade.
Então, na sua avaliação, a principal dificuldade foi no diálogo com as outras forças progressistas?
Foi. As candidaturas postas expressavam muito pouco. A candidatura do PDT, da Martha Rocha, embora ela seja uma parlamentar com uma história, porque ela não poderia debater a possibilidade de apoiar o Freixo? Houve muito mais resistência de outros lados do que do próprio lado do Freixo e do PT. A partir da nossa direção, o PT entrou nesse debate totalmente de corpo e alma, sem nenhuma imposição, sem nenhuma pré-condição.
As pessoas costumam dizer que o PT é hegemonista, a gente sabe que às vezes isso pode acontecer, mas aqui no Rio de Janeiro nós entramos com o intuito de juntar forças para poder derrotar essa direita do Crivella, Bolsonaro, Witzel e Eduardo Paes. Para que o Rio pudesse voltar a ser uma cidade melhor.
No cenário atual, é possível a construção dessa frente progressista para as eleições municipais?
Eu acho que hoje ainda está bem difícil, embora a gente possa ter a eleição adiada por conta da epidemia do novo coronavírus. Isso pode permitir que novos fatores na conjuntura apontem, mas acho que hoje está cristalizado uma grande dificuldade, mas eu gosto de enfatizar: está cristalizado, mas não pelo lado do PT e Psol, mas pelo lado do PDT, PSB e com imposições.
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A entrevista do Freixo deixa muito claro: não é o momento de fazer conta eleitoral para 2020. Para nós, pouco deveria importar se o Ciro vai ser candidato à presidência, se o PT terá candidato, precisamos ter maturidade para a unidade. Mas hoje eu acho que tem grandes dificuldades porque as sinalizações que os partidos dão são de grande dificuldade, então a gente tem um tempo que a gente espera fazer esse debate, mas sabemos que o tempo é curto e precisaremos decidir a medida em que não aconteça essa unidade.
Edição: Mariana Pitasse