A União Nacional dos Estudantes (UNE) afirmou, nesta quarta-feira (20), que interpreta o adiamento do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) por parte do governo Bolsonaro como uma vitória popular. Em nota divulgada no período da tarde, o Ministério da Educação (MEC) e o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) anunciaram a prorrogação das provas, após intensa pressão popular. A UNE é uma das entidades da sociedade civil que vinham batalhando pela alteração nas datas previstas no edital.
“A gente entende que esse recuo do MEC e do Inep é fruto da mobilização que a gente vem fazendo por meio das redes, procurando também as redes do MEC, da mobilização que a gente fez junto com os estudantes e também é um reflexo da nossa articulação junto aos parlamentares, porque ontem tivemos uma grande vitória no Senado”, afirma o vice-presidente regional da UNE no Distrito Federal, Artur Nogueira, em referência à aprovação do Projeto de Lei 1277/2020.
A proposta autoriza o adiamento de exames de acesso ao ensino superior em casos excepcionais, como, por exemplo, quando houver um estado de calamidade pública reconhecido oficialmente pelo Congresso Nacional. É o que ocorre atualmente, com a vigência de um decreto que prevê estado de calamidade no país até 31 de dezembro deste ano. Na ocasião da votação do PL 1277, o placar terminou em 75 votos a um, após uma ampla mobilização de estudantes, familiares e especialistas da área.
A presidenta da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes), Rozana Barroso, sublinha que o resultado obtido no Senado potencializou a pressão multilateral sobre o governo, ajudando a gerar a notícia do adiamento. Em conjunto com a UNE, a entidade havia ingressado com um mandado de segurança no Superior Tribunal de Justiça (STJ) para pedir a prorrogação dos prazos, mas a ação não chegou a ser apreciada.
Para a dirigente, o adiamento vem ao encontro dos anseios especialmente dos estudantes da rede pública e que pertencem a classes mais populares, cujas atividades educacionais estão mais prejudicadas que as dos alunos do ensino privado. A entidade defende que a mudança nas datas seria uma questão de justiça social, voltada a garantir o direito universal à educação.
“Pra nós, é uma grande vitória em defesa dos sonhos da juventude brasileira. Muitas famílias, neste momento, têm dificuldade pra se alimentar, dependem ainda da primeira parcela do auxílio emergencial, dependem de ajudas solidárias pra conseguir se alimentar, não têm acesso ao saneamento básico, à internet de qualidade. Essa é a realidade da maior parte da juventude brasileira hoje, por isso a nossa luta pelo adiamento do Enem é tão importante, pra garantir com que essas pessoas também entrem na universidade”, argumenta Rozana Barroso.
Procurada pelo Brasil de Fato para repercutir o assunto, a Defensoria Pública da União (DPU) também comemorou a notícia. No último dia 16, o defensor João Paulo Dorini havia ajuizado uma ação civil pública na Justiça Federal de São Paulo para pedir o adiamento do Enem por conta da pandemia.
“Acho que é um passo importante, sem dúvida, porque parece que, depois de todo esse movimento da sociedade, de alunos, universidades públicas, secretarias de Educação, Defensoria Pública, Ministério Público Federal e entidades da sociedade civil, este é um primeiro passo”, disse Dorini.
O defensor pondera, no entanto, que “ainda há muito a ser construído sobre esse tema”. Ele ressalta que a DPU defende uma revisão geral do cronograma do Enem, e não só da data das provas.
“A nossa ideia é a construção coletiva de um calendário, e só adiar as provas por um ou dois meses é algo que não resolve o problema. Tem que ter um diálogo do governo com todos os segmentos envolvidos – secretarias de Educação, entidades, estudantes. Não adianta o MEC fazer um calendário se todos os envolvidos não conseguirem cumpri-lo, por exemplo. Não adiante adiar a data dos exames e não rever o prazo de inscrição, por exemplo”, cita Dorini.
Na nota divulgada nesta quarta, o Inep e o MEC afirmaram que as inscrições para o Enem seguem abertas até esta sexta-feira (22), como estava inicialmente previsto no edital.
“Se a gente tem problemas que já mostram que a prova vai precisar ser adiada, por que manter o prazo de inscrição se a gente tem alunos da rede pública, especialmente os mais pobres, que não têm acesso à internet e não estão conseguindo fazer inscrição?”, questiona o defensor público. Segundo Dorini, como a ação da DPU não tratava somente do adiamento da aplicação das provas, o pedido não perde o objeto e por isso a disputa judicial deve seguir adiante.
Edição: Luiza Mançano