São chocantes as imagens, postadas na internet por moradores, da operação policial realizada na última sexta-feira (15), no Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro. A tragédia da violência e da extrema pobreza, presente há décadas em nossa cidade, ganha contornos ainda mais graves em função da pandemia e da crise política que vivemos. Dia após dia, as notícias das perdas de sonhos e vidas somadas a marcha da insensatez, comandada por Bolsonaro, apontam que o Brasil vive sob a ameaça de uma experiência fascista.
::Moradores recolhem corpos e denunciam violação de direitos da polícia no Alemão (RJ)::
A filósofa judia, Hannah Arendt, em carta endereçada a seu amigo Gershom Scholem, no ano de 1963, escreveu:
O mal nunca é ‘radical’, é apenas extremo e não possui profundidade nem qualquer dimensão demoníaca. Ele pode cobrir e deteriorar o mundo inteiro precisamente porque se espalha como um fungo na superfície.
As palavras de Arendt são inspiradoras nestes tempos de coronavírus e ameaças à democracia. Para a filósofa, o mal se espalha quando o espaço público foi deteriorado a ponto de impedir que a opinião pública seja produzida pela interação entre os diferentes pontos de vista.
Nos tempos atuais, por exemplo, assistimos à obstrução do debate em diversas esferas da nossa sociedade através da disseminação massiva de mentiras pela internet. É neste cenário que a extrema-direita, mobilizada pelo ódio e pela intolerância, avança em sua aposta no caos social para aprofundar a agenda econômica ultra neoliberal e atentar contra a liberdade.
A esquerda e os setores progressistas precisam compreender que não temos apenas um desafio democrático colocado. Está em pauta um debate sobre os rumos da humanidade, os modelos de desenvolvimento e o projeto civilizatório.
No final de semana me deparei com a notícia que o deputado federal Marcelo Freixo (Psol) anunciou a desistência de sua candidatura à prefeitura da cidade do Rio de Janeiro. Lamento a desistência do Freixo pelo papel que ele tem cumprido na política carioca e, mais, por não termos conseguido ainda a conformação de uma frente das esquerdas para devolver a dignidade ao povo carioca.
Estamos diante de um dos maiores desafios de nossa história: Bolsonaro, com seu ímpeto totalitário, usa do cargo de presidente da república em meio à crise sanitária mais importante dos últimos 100 anos para investir contra a república, pondo em risco a vida de milhões de brasileiras e brasileiros.
A constituição de uma Frente de Lutas Nacionais em defesa da vida, da civilização e da democracia para enfrentar o desmonte do Estado brasileiro e a destruição dos direitos sociais está na ordem do dia. Neste sentido, as eleições municipais de 2020 são decisivas, pois poderão impulsionar o processo de rearticulação das forças democráticas e conter o avanço do obscurantismo.
Devemos fazer um movimento junto a todas e todos que desejam estar a frente para a construção da nossa unidade eleitoral. Não podemos permitir que Crivella, agora com o apoio de Bolsonaro, polarize a disputa da prefeitura com Eduardo Paes, que segundo consta nos jornais de hoje, se aproxima do Deputado Estadual Rodrigo Amorim (PSL) - o mesmo que quebrou a placa com o nome de Marielle Franco.
A esquerda precisa estar unificada no próximo pleito e pautar o debate sobre a reconstrução da cidade do Rio e do Brasil durante e após a pandemia.
Compreendo que o Partido dos Trabalhadores (PT) tem o papel histórico de defender a união das esquerdas no Rio e, além de colocar um nome à disposição para o debate junto às demais forças políticas, tem o dever de apresentar um programa para a cidade, pautado na defesa da democracia, no desenvolvimento sustentável, no combate às desigualdades e na garantia de direitos.
Encerro com um pequeno trecho da Carta da Terra, do querido amigo e companheiro, Leonardo Boff:
Estamos diante de um momento crítico na história da Terra, numa época em que a humanidade deve escolher o seu futuro (...) Devemos nos juntar para gerar uma sociedade sustentável global fundada no respeito pela natureza, nos direitos humanos universais, na justiça econômica e numa cultura da paz.
*Reimont Luiz Otoni (PT) é teólogo, professor e vereador da cidade do Rio de Janeiro.
Edição: Mariana Pitasse