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Papo Esportivo | Racismo no esporte: a importância de se lembrar o 14 de maio

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Pelé, Ronaldinho Gaúcho, Neymar e vários outros atletas negros alcançaram fama mundial mas que preferiram se calar diante do preconceito - Divulgação
O day after da abolição da escravatura diz muita coisa sobre como enxergamos as questões raciais

Antes que você pensem que o colunista aqui ficou maluco quero deixar bem claro que isso não é uma confusão de datas. Estou mesmo falando do dia 14 de maio. Esse é o objetivo do nosso papo de hoje. Mas antes, gostaria de situar os amigos sobre algumas coisas.

O que motiva essa coluna é um episódio da excelente série The Last Dance, produzida pela Netflix e que conta a história do lendário time do Chicago Bulls dos anos 1980 e 1990, das seis conquistas na NBA (a liga profissional de basquete dos Estados Unidos) e de como Michael Jordan se transformou no ídolo que é hoje, passando desde a sua chegada à franquia, pela entrega dentro de quadra e também por alguns assuntos polêmicos pouco conhecidos das gerações mais novas.

Um desses assuntos trata da decepção que os afro-americanos tiveram com MJ quando este se negou a apoiar o democrata Harvey Bernard Gantt na disputa por uma naga no senado contra o Jesse Helms, notório político conservador e abertamente racista. Até mesmo a mãe de Michael Jordan pediu que ele apoiasse Gannt, mas ele recusou dizendo que “não poderia apoiar alguém que ele não conhece”. Ao mesmo tempo, o próprio Michael Jordan teria dito que não apoiaria Gannt porque “os republicanos também compram tênis”, referindo-se ao famoso Air Jordan feito pela Nike e que se transformou em febre nos Estados Unidos durante os anos 1990.

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Impossível não fazer um paralelo com Pelé, Ronaldinho Gaúcho, Neymar e vários outros atletas negros que alcançaram fama mundial mas que preferiram se calar diante do preconceito que presenciaram e ainda presenciam. Uma das razões (como bem analisa o advogado e influenciador digital Carter Batista no seu Instagram) pode ser o fato de cada um deles ter alcançado fama mundial e “terem deixado de ter cor”. E isso pode ter feito com que eles não tenham se colocado no lugar de seus irmãos. Faltou empatia.

É preciso deixar claro que o racismo ainda existiria mesmo que cada uma dessas lendas do esporte se manifestasse abertamente contra esse câncer. Por outro lado, o posicionamento de cada um deles seria uma ajuda inestimável na luta contra a discriminação em todos os níveis.

O que isso tem a ver com o dia 14 de maio?

Muita coisa. O day after da abolição da escravatura diz muita coisa sobre como enxergamos as questões raciais aqui em nosso país e no mundo todo. Falando especificamente do esporte, é possível afirmar (sem medo de errar) que os atletas negros são “tolerados” quando fazem aquilo que sabem fazer, acenam para os torcedores e se comportam como “caras legais que não reclamam de nada”.

A partir do momento em que temos uma Serena Williams se levantando contra o preconceito racial e de gênero e usando a sua imagem de maior tenista de todos os tempos para isso, vemos torcedores e mídia (pelo menos na sua grande maioria) falando em “mimimi”, “vitimismo” e outras alcunhas impublicáveis e igualmente deploráveis. “Limite-se a falar de esportes e a fazer seu trabalho” é uma das frases mais ditas nesses casos. É como se o capitão do mato ainda vivesse em cada um de nós e quiséssemos impor a nossa autoridade através da violência de tempos não tão longínquos assim.

No dia 3 de junho de 2018, eu conversei sobre esse (e vários outros assuntos) com o diretor do Observatório da Discriminação Racial no Futebol, Marcelo Carvalho. Na ocasião, perguntei sobre a famigerada acusação de “mimimi” que as denúncias de racismo recebiam nas redes sociais. Ele respondeu:

“É muito difícil. A gente trabalha no Observatório e vê comentários dizendo 'pô, lá vem vocês de novo falar de coisas que não existem mais', ou 'lá vem vocês de novo com esse 'mimimi', com esse vitimismo'. Num país que mata na sua grande maioria jovens negros, que tem uma desigualdade social muito grande e que a grande maioria das pessoas que estão na parte de baixo da pirâmide são negras, você não pode dizer que é vitimismo. Desde a época da escravidão, o dia 14 de maio permanece. Por que o dia 14 de maio? Porque no dia 13 de maio de 1888 foi assinada a Abolição da Escravatura, mas nada foi feito para que os negros libertos pudessem se inserir na sociedade. Eles não podiam ter terra, não podiam estudar e acabaram ficando à margem da sociedade. E logo depois disso você teve o processo de 'branqueamento' da população negra brasileira. Os portos foram abertos para os imigrantes alemães e italianos para que a população brasileira 'branqueasse' e todas essas pessoas tiveram mais acesso às coisas básicas do que a população negra. Esse problema vem desde o dia 14 de maio de 1888. A gente teve mudanças sim. As cotas inseriram muitos negros nas universidades e no serviço público. Mas o problema racial do Brasil continua. A gente teve 350 anos de escravidão e temos 130 anos pós-escravidão e tudo aquilo que foi utilizado para inferiorizar o negro e que a sociedade aceitasse que ele fosse tratado como animal continua na cabeça das pessoas".

A grande maioria das pessoas ainda acredita que o negro é um ser inferior.

Marcelo Carvalho complementa:

"E aí temos diversos problemas da sociedade na questão racial. A gente continua discutindo o racismo, faz evento, faz debate e ele persiste. Temos a lei para punir o racismo e ninguém é punido quando sabemos que existem diversos casos de racismo que acontecem diariamente no Brasil. Enquanto os problemas não forem encarados como devem ser encarados tudo vai continuar assim. O Brasil deve se assumir um país racista e a partir daí trabalhar pela inserção do negro na sociedade e pela igualdade de condições. E quando a gente fala de igualdade não é aquele lema da CBF (Confederação Brasileira de Futebol), 'Somos todos iguais'. O negro não é igual, o italiano não é igual, todo povo tem as suas peculiaridades. E a questão do negro é muito mais séria por que tudo que envolve o negro tem uma carga muito grande de preconceito. A gente vê na religião, nos costumes, tudo o que foi trazido da África foi embranquecido. E as pessoas ainda acreditam nessa inferioridade das pessoas negras”.

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O problema da desigualdade e do racismo persiste desde o dia 14 de maio. No esporte, toleramos os negros que competem, conquistam medalhas, levantam taças, quebram recordes e acenam para nós nas arquibancadas. Mas não percebemos o quão intolerantes somos quando tratamos uma denúncia de racismo ou de machismo como “mimimi”. Diante da absurda desigualdade disfarçada de meritocracia que vivemos, ainda temos mais disposição de atacar do que ouvir o que essas pessoas têm a dizer e aprender um pouco com elas. O nome disso é empatia. É justamente aquilo que Michael Jordan, Pelé, Neymar, Ronaldinho Gaúcho e vários outros não tiveram em tempos passados. Mesmo com todas as oportunidades do mundo.

É verdade que ninguém pode obrigar ninguém a defender uma causa por mais justa que ela seja. E também é verdade que devemos fazer a nossa parte em cada momento das nossas vidas. Mas, porém, contudo, todavia, entretanto, imaginem quantas pessoas Michael Jordan e Pelé poderiam ter influenciado se tivessem se posicionado. Imaginem quantas pessoas teriam se conscientizado do mal que o racismo, o machismo e a homofobia trazem se estas lendas do esporte tivessem usado seus rostos e seus legados para combater essas e outras injustiças do nosso mundo.

Mais do que o dia 13 de maio, o dia 14 de maio de 1888 deve ser lembrado como o início de um outro processo: o de branqueamento e silenciamento dos negros que reclamavam justiça e melhores condições de vida desde então. Essa reflexão é absurdamente necessária.

Edição: Mariana Pitasse