PAÍS DO VENENO

Mesmo com pandemia, governo Bolsonaro já liberou 150 novos agrotóxicos este ano

Para Alan Tygel, da Campanha Contra os Agrotóxicos, liberações de 2020 podem superar recorde histórico de 2019

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
Processo de autorização das substâncias se manteve porque foi considerado uma atividade essencial durante a pandemia de covid-19 - Foto: Sérgio Lima/AFP

Apesar da grave crise de saúde pública que atinge o país, o governo Bolsonaro continua aprovando a utilização e comercialização de novos agrotóxicos. Nesta terça-feira (12), por exemplo, o Ministério da Agricultura liberou mais 22 substâncias. Agora, no total, são 150 novas autorizações apenas neste ano.

Na lista mais recente, constam agrotóxicos proibidos na União Europeia, como o clorotalonil, o glufosinato e a ametrina. Um dos destaques da liberação feita pelo governo é o agrotóxico Dicamba, nome comercial de um herbicida da Basf que tem como princípio ativo o glufosinato de amônio. O produto é concorrente do glifosato, conhecido mundialmente como Roundup e comercializado pela Monsanto.

:: Liberação de agrotóxicos no governo Bolsonaro é a maior dos últimos 14 anos ::

Alan Tygel, da Campanha Contra os Agrotóxicos e pela Vida, denuncia que desde 2016 os setores do agronegócio tem atuado para flexibilizar e relaxar cada vez mais a fiscalização sobre os produtos, com atuação interna até mesmo no Ministério da Saúde.

O ativista destaca que o processo se acentuou com Bolsonaro. Apenas em 2019, primeiro ano do governo, foram 474 novas substâncias autorizadas - o maior número da série histórica

Tygel lamenta que, mesmo durante a quarentena, a população esteja ainda mais exposta aos graves impactos à saúde e ao meio ambiente causados pelos agrotóxicos.

“A pandemia não foi capaz de reduzir o ritmo de liberações do governo. Provavelmente vamos ter um número parecido ou superior com o do ano passado. Além dos registros efetuados, o governo vem publicando a fila de registros, aqueles que estão esperando. E essa fila só aumenta a cada dia”, afirma Tygel.

O processo de autorização se manteve porque o governo considerou como atividades essenciais a prevenção, o controle e a erradicação de pragas, assim como as atividades de suporte e disponibilização dos defensivos agrícolas. A determinação foi estabelecida pela Medida Provisória 926 e pelo Decreto 10.282, ambas de 20 de março deste ano. 

Conforme monitoramento da Repórter Brasil, apenas durante a quarentena, iniciada em março deste ano, foram publicados registros de 96 novos produtos, sendo 62 destinados para agricultores e 34 para a indústria. Ou seja, mesmo enquanto milhares de brasileiros adoeciam e se tornaram vítimas fatais da covid-19, os venenos continuaram a ser liberados.

Tygel avalia que, com as flexibilizações, a perspectiva para o resto do ano é negativa. “Estamos no mês de maio com 150 liberações. Podemos estimar que, se continuar na mesma, velocidade, vamos chegar perto dos 400. Ano passado foram 474 e é possível que chegaremos perto dessa marca ou a ultrapassemos. Infelizmente não há sinal de que essa velocidade de registros vá diminuir”, critica. 

Danos à saúde

Neste contexto de estímulo à produção e à comercialização de agrotóxicos, os danos para os brasileiros são os mais graves possíveis. O contato direto com venenos agrícolas foi apontado como razão da morte de 700 pessoas por ano na última década, segundo informações do DataSUS.

De 2008 a 2017, por exemplo, a soma de óbitos devido aos efeitos tóxicos, envenenamento por agrotóxico ou exposição ambiental, autointoxicação intencional, entre outros fatores, chegou a 7.267. Mais de 70% das mortes foram registradas nas regiões Nordeste e Sudeste do Brasil.

Os dados mostram como a cadeia de contaminação pelos venenos é extensa. Vai desde as primeiras etapas da produção, passando pelo transporte e chegam ao consumo por meio dos alimentos contaminados que na mesa da população. 

Entre os registros desta terça (12), também está o 2,4-D,  um herbicida considerado perigosíssimo que vem sendo usado cada vez mais por conta da resistência que certas plantas vêm apresentando ao glifosato. De acordo com a Campanha Contra os Agrotóxicos, há muitos registros de plantações danificadas devido ao uso da substância no Rio Grande do Sul. 

Velhos conhecidos

É válido destacar ainda que fórmulas com o RoundUp, nome comercial do glifosato produzido pela Bayer, um dos venenos mais nocivos ao meio ambiente e aos seres humanos, foram autorizadas novamente. A substância foi considerada “provavelmente cancerígena” pela Organização Mundial da Saúde (OMS), em 2015. 

Em agosto de 2018, o ex-jardineiro Dewayne Johnson ganhou um processo contra a Monsanto em San Francisco, nos Estados Unidos, por ter desenvolvido um tipo de câncer devido ao uso contínuo da substância.. 

A empresa, que já havia iniciado processo de venda para a Bayer, também perdeu outras duas vezes na Justiça após processos de um aposentado e de um casal que também desenvolveram câncer devido ao uso do veneno. Desde então, o número de processos contra a agroquímica só cresce e já são 18,4 mil somente nos EUA.

:: Monsanto é condenada a pagar US$ 289 milhões por câncer em jardineiro nos EUA ::

Enquanto o Brasil aprova agrotóxicos em ritmo acelerado, mesmo a Alemanha, país de origem da Bayer, anunciou em setembro do ano passado que pretende proibir o uso do componente a partir do fim de 2023. 

Tygel endossa ainda que o argumento do governo brasileiro de que aprovação dos agrotóxicos visa  permitir permitir a utilização de  agrotóxicos menos tóxicos não corresponde à realidade, já que os biodefensivos, com potencial menor de danos à saúde, representam uma porcentagem muito pequena das aprovações.

“O que vemos são os mesmos ingredientes ativos desde anos 70 e 80 ganhando novos registros, novas formulações, novas formas de aplicação, e isso é muito preocupante. Estão aumentando a disponibilidade desses produtos no mercado e incentivando ainda mais seu uso”. 

Edição: Vivian Fernandes