O isolamento social causado pela pandemia do novo coronavírus e a desaceleração das grandes cidades trouxe cenários inimagináveis para o mundo globalizado. Da Europa à Ásia, ruas repletas de carros e pedestres deram lugar a macacos, cangurus, pavões e até mesmo javalis.
No Brasil, o fenômeno também tem ocorrido em algumas localidades mais afastadas, no Parque Nacional da Serra dos Órgãos, no interior do estado do Rio, por exemplo, houve registro de onças pardas na trilha principal. Já na cidade do Rio de Janeiro e Niterói, na região metropolitana, a população flagrou na Baía de Guanabara águas cristalinas e a presença de tartarugas e espécies de tubarões. No entanto, especialistas explicam: nem tudo pode ser atribuído apenas à quarentena.
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O ecologista Sérgio Ricardo explica que, além da redução do fluxo industrial ocasionado pela pandemia, o fenômeno do retorno da biodiversidade marinha nas águas da baía também está relacionado a chamada "maré sizígia" ou "oceânica" e ao processo natural conhecido por hidrodinâmica, que promove uma “autolavagem” na Baía de Guanabara.
“Nesse período há um aumento no nível médio do mar e isso explica, por exemplo, que juntamente com a presença dessa biodiversidade marinha, diversos trechos e comunidades situadas à margem da Baía de Guanabara sofreram fortes inundações e alagamentos. O segundo aspecto, também natural, é a chamada hidrodinâmica da Baía de Guanabara. Esse fenômeno ocorre de 15 em 15 dias. Nele, a baía passa por um processo interno de ‘autodepuração’, ‘autolavagem’: entram bilhões de litros de água do mar e circulam a oeste e a leste até chegar ao arquipélago de Paquetá que serve como uma espécie de alavanca para empurrar para o alto mar grande parte dos poluentes, lixo, esgoto e óleo”, detalha um dos fundadores do movimento Baía Viva.
Aterros
De acordo com Sérgio Ricardo, o fenômeno da hidrodinâmica não ocorre mais vezes ao ano por conta do desmatamento e dos grandes aterros que ocuparam a Baía de Guanabara, causando uma perda de 80 km de extensão de espelho d´água no passado. O ecologista destaca que o estado do Rio de Janeiro foi o que mais desmatou o bioma mata atlântica. Para ele, um dos problemas não resolvidos e que segue gerando impacto ambiental nas águas da Guanabara é o lixo.
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“A baia recebe cerca de 90 toneladas de lixo flutuante por dia, quase não existe coleta seletiva, incentivo à reciclagem na região metropolitana. Das 17 mil toneladas de lixo que são geradas diariamente na região metropolitana do Rio, apenas 1% é reciclado e grande parte deste lixo é urbano em função da precariedade dos sistemas municipais de coleta”, conta.
Ricardo espera que a “a parada obrigatória” causada pela covid-19 contribua para repensar o atual modelo econômico que gera sérios danos ao meio ambiente. “Espero que nesse momento em que a população tem observado mais essa ecologia da paisagem da Baía de Guanabara, em que as pessoas estão até mais sensíveis a ouvir, a observar a natureza, que isso se some num movimento pela mudança da economia”, salienta.
Edição: Mariana Pitasse