O ser humano nasce berrando. É seu primeiro sinal de saúde e sua primeira reação diante do mundo. Ao longo da vida, há os que seguem berrando e os que se calam, seja por vontade ou por imposição. Mas a imprensa, porta voz da sociedade, não tem o direito de calar e tem o dever de se opor aos arroubos ditatoriais de governantes que acreditam ser eles próprios a Constituição. Outros, na História do mundo, já tiveram tais arroubos. Seus impérios, porém, não duraram para sempre.
O presidente da República Jair Bolsonaro (sem partido) tem que ser parado pelos caminhos legais desprezados pelos signatários do AI-5.
Não é possível que, diariamente, profissionais de imprensa sejam submetidos a um tratamento humilhante por parte do mandatário do país na porta de um palácio que deveria ser abrigo da democracia.
Naquele espaço, um profissional de imprensa já teve que ouvir, por exemplo, que tinha “cara de homossexual terrível”. Uma ofensa não só ao jornalista em si, mas também um ataque de homofobia. Também ali, Bolsonaro acusou uma jornalista de querer “dar o furo”, utilizando um jargão típico do jornalismo para fazer uma ofensa misógina à premiada repórter Patrícia Campos Melo. Naquele mesmo local, um humorista vestido com a faixa presidencial, levado pelo próprio presidente, já desfilou oferecendo bananas aos profissionais de imprensa.
A lista é grande. A Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ) contabilizou até abril 179 ataques à liberdade de imprensa feitos diretamente por Bolsonaro. Uma marca profundamente negativa para a coleção de quem acumula marcas negativas.
No momento em que este artigo é escrito, o Brasil é o 6º no ranking mundial de mortes pelo novo coronavírus. Um mês antes, no início de abril, estávamos em 14º lugar. Esse avanço avassalador da doença no país é em grande parte fruto da irresponsabilidade de Bolsonaro, avaliação com a qual concordam diversos médicos sanitaristas e epidemiologistas. Não fosse a imprensa valendo-se de sua função social para informar a população e, certamente, a situação seria ainda pior.
Aqui cabe perguntar: a quem interessa o caos? A quem interessa tantas mortes?
A quem interessava, no início da década de 1970, a morte de milhares de crianças, quando o Brasil vivia sob a ditadura de Médici e a imprensa foi proibida de noticiar a epidemia de meningite? A necropolítica é contrária à natureza humana e, como tal, é contrária a vozes dissonantes. Num país onde a voz sempre foi de poucos, Bolsonaro sabe, tal como sabia Médici, que a imprensa, ainda que se pesem todos os seus defeitos, nunca vai falar “e daí?”. Por isso, é preciso calá-la e jogar à própria sorte milhões de cidadãos que dependem do amparo do Estado.
O cala a boca nem nasceu, senhor presidente. Quer o senhor queira ou não, milhões de crianças continuarão nascendo berrando no mundo inteiro. Muitas delas serão jornalistas e jamais deixarão de berrar.
*Ana Helena Tavares é jornalista, membro efetivo do Conselho Deliberativo da Associação Brasileira de Imprensa (ABI).
Edição: Mariana Pitasse