O mundo mergulhou numa gravíssima crise sanitária, econômica e social com a eclosão da pandemia da covid-19. Em tempos ultraliberais, os governos comprometidos com essa política aproveitam-se do momento para precarizar ainda mais os empregos, impor arrochos salariais e destruir os direitos duramente conquistados pelos trabalhadores brasileiros.
Nesse sentido, desde o início da pandemia, o Sindicato Estadual dos Profissionais de Educação (SEPE-RJ) vem se posicionando na garantia do direito à vida e à saúde dos trabalhadores da educação, responsáveis e estudantes. Para as redes de educação que não suspenderam as aulas no início desse processo, o SEPE-RJ ajuizou ações judiciais que tinham como fulcro a suspensão das aulas para fins de proteção da comunidade escolar frente ao coronavírus.
De forma assoberbada algumas redes de educação, entre elas a Rede Estadual de Educação do Rio, começaram a colocar em prática um programa de substituição das aulas presenciais pelo compartilhamento de conteúdos on-line.
Ressalte-se que a opção da Rede Estadual de Educação pela utilização da plataforma Google Classrom não foi seguida por todas as redes, variando a forma de implementação da política de computação de compartilhamento de conteúdos on-line como dia letivo.
::MPRJ aciona justiça para garantir qualidade de ensino na rede estadual::
Com base nesse quadro de reorientação da política educacional, por parte das Secretarias de Educação do Estado, o SEPE-RJ reafirma a sua posição contrária à computação dessas chamadas “aulas on-line” como dias letivos, pelos motivos a seguir:
1. O SEPE/RJ reivindica que a prioridade nesse momento é o combate a pandemia. A manutenção do isolamento social é fundamental. As redes municipais e estadual devem utilizar seu enraizamento para promover ações de conscientização da comunidade escolar sobre a importância das medidas sanitárias de prevenção;
2. O combate à inatividade dos estudantes deve estar em consonância com o objetivo principal que é a defesa da saúde. As atividades complementares devem ser lúdicas, informativas e conscientizadoras procurando estimular a compreensão crítica do momento vivido pela sociedade mundial. Assim sendo, nada substitui a relação direta professor/aluno nas escolas devido ao seu caráter integrador. Mesmo a melhor estrutura em Educação à Distância (EAD) não seria capaz de alcançar o que o convívio escolar proporciona ao estudante. Essa condição de insubstituível ganha centralidade, quando se percebe que é o professor que efetiva a interação das crianças e adolescentes, condição sine qua non no processo ensino-aprendizagem, nos marcos da educação pública de qualidade, laica e democrática. Portanto, a modalidade de ensino de Educação à Distância (aD) não é apropriada à universalização e à igualdade de acesso da educação básica regular;
3. Essa inadequação fica ainda mais evidente quando se observa que a estrutura oferecida é precária. A tecnologia necessária para a utilização da plataforma EAD não foi garantida para todos os estudantes e nem fez parte do Projeto Político Pedagógico (PPP) das redes públicas de ensino no estado do Rio de Janeiro;
4. A transformação desses conteúdos on-line em dias letivos seria também temerária pelo fato de ter que contar com a tutoria dos pais no auxílio para progredir nas demandas da plataforma. Ressalte-se que vários responsáveis continuam desenvolvendo suas atividades laborais, muitos participam do “esforço de guerra” contra o vírus, outros tantos simplesmente estão correndo atrás da sobrevivência familiar;
5. A falta de acesso à tecnologia para “alguns” alunos, a falta de acompanhamento dos pais para outros ou os dois também em muitos casos geraria uma brutal desigualdade entre as redes municipais, favorecendo regiões com IDHs mais altos, e dentro das próprias redes. Desigualdade injustificável para um país que tem como marco fundamental uma Constituição Federal aclamada como cidadã;
6. Os profissionais da educação, os estudantes e os responsáveis não foram preparados para gerir tais dispositivos, fato esse que elimina qualquer possibilidade de adotar essa estratégia para efetivar avaliações. Some-se a isso a defasagem no aprendizado e a exclusão digital na qual a população brasileira é vítima, o que amplia ainda mais os argumentos contrários à implementação da modalidade EAD, descaracterizando-a em sua concepção plena. Por isso considera-se aqui absurda a possibilidade de avaliações online para os ensinos fundamental e médio.
7. Na Educação Infantil a disseminação de atividades com tecnologias remotas em substituição ao calendário letivo presencial deve ser rejeitada. Neste momento de afastamento dos espaços escolares, a manutenção dos vínculos é importante para que as crianças e as famílias possam se sentir acolhidas e ouvidas. Sendo assim, os contatos virtuais que aconteçam durante este período de pandemia não podem ser considerados como objetivos ou atividades pedagógicas, mas sim um canal de manutenção e estreitamentos dos vínculos afetivos entre os profissionais de educação e as crianças.
::Artigo | Voltar à “normalidade” é auto-condenar-se, por Leonardo Boff::
Pelas razões expostas, a substituição das aulas presenciais por conteúdos on-line atenta contra a qualidade da educação pública, conforme assegura o artigo 206, VII da Constituição, que não é um mero objetivo a se buscar, mas um direito.
Considerando os argumentos formulados a partir das experiências dos profissionais de educação, da consulta a especialista em educação, das audiências públicas em órgãos do legislativo e do judiciário, o SEPE-RJ defende: que os conteúdos on-line repassados por meio de plataforma ou qualquer outro meio remoto tenham caráter facultativo e não sejam computados como dias/horas letivas a fim de substituir as aulas presenciais; que, frente à impossibilidade de cumprimento do calendário letivo de 2020, se desvincule o ano letivo do ano civil - situação vivida por diversas redes, portanto conta com vasta experiência para sua implementação; que a desvinculação citada não incida sobre as férias coletivas de janeiro, explicitamente a que será gozada em janeiro de 2021 e as subsequentes; que se suspenda o ENEM, vestibulares e provas de proficiência em todos os níveis com objetivo de padronizar o calendário escolar em todo o Brasil, evitando discriminações entre os que tiveram acesso e os excluídos de determinados conteúdos.
A desigualdade socioeconômica e, consequentemente, digital de uma grande parcela dos cidadãos brasileiros agravou-se nos últimos anos com o aprofundamento da crise econômica. Respondendo a pergunta do Conselho Nacional de Educação “como garantir padrões básicos de qualidade para evitar o crescimento da desigualdade educacional no Brasil?”:
Os sistemas públicos de ensino brasileiros não evitarão o crescimento desta desigualdade por meio do emprego de tecnologias remotas suplementares. Pelo contrário, arrisca-se sair da pandemia com um país educacionalmente mais excluído.
*Carta conjunta escrita por professores e profissionais da educação membros da direção do Sepe-RJ.
Edição: Mariana Pitasse