Disputa

Bolsonaro mostra mensagens de celular e acusa Sergio Moro de mentir em depoimento

Presidente confirma diálogo virtual com ex-juiz sobre investigação da PF que mira deputados do PSL, mas nega intervenção

Brasil de Fato | Brasília (DF) |

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O presidente negou, mais uma vez, que esteja buscando interferir em investigações da PF - Wilson Dias/Agência Brasil

O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) confirmou, nesta terça-feira (5), a troca de mensagens com o ex-ministro da Justiça Sergio Moro a respeito de investigações da Polícia Federal (PF) que atingem deputados do PSL, sigla pela qual o chefe do Executivo foi eleito em 2018. Em declarações recentes, confirmadas em depoimento à PF no sábado (2), o ex-juiz havia acusado Bolsonaro de tentar intervir em apurações do órgão, ao qual Moro prestou depoimento sobre o caso no último sábado (2), em Curitiba (PR).

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::Leia na íntegra o depoimento de Moro sobre suposta interferência de Bolsonaro na PF::

A nova manifestação de Bolsonaro veio logo após a divulgação da íntegra do depoimento do ex-juiz, publicado nesta terça pela emissora CNN. O presidente destacou trecho citado por Moro que trata da troca de mensagens sobre o caso dos parlamentares: “Lá embaixo [da janela de bate-papo] está escrito que ‘mais um motivo pra mandar embora ou pra dar a demissão’, né isso? Digo que isso realmente eu passei pra ele. Eu assumo, eu passei pra ele”, disse Bolsonaro, afirmando que o diálogo virtual teria ocorrido no dia 23 de abril.


Bolsonaro aponta em seu celular o trecho da conversa em que Sergio Moro teria chamado de "fofoca" uma notícia enviada pelo presidente com o título "PF na cola de 10 a 12 deputados bolsonaristas" / Reprodução/CNN

A demissão a que se refere a conversa seria do então diretor-geral da PF, Maurício Valeixo, cuja exoneração por parte do presidente foi o estopim da crise do chefe do Executivo com Moro, que deixou o cargo logo após.

::Inquérito contra Bolsonaro: próximos passos, acusações de Moro e impacto político::

Apesar disso, o presidente negou, mais uma vez, que esteja buscando interferir em investigações da PF. “Em nenhum momento eu pedi relatório de inquérito. Isso é mentira deslavada. Tenho até vergonha de falar isso aqui. Ele disse que eu pedi em reunião de ministro. Numa reunião de ministro eu ia pedir algo ilegal? Eu não peço ilegal nem individualmente, quem dirá de forma coletiva”, disse o presidente, pouco antes de exibir o aparelho de celular para o público presente na ocasião, formado por jornalistas e seguidores seus. 

Reações

A disputa entre os dois tem como um dos destaques a troca de comando na Superintendência do Rio de Janeiro, promovida na segunda-feira (4) pelo novo diretor-geral da PF, Rolando de Souza.

O estado é o terreno eleitoral do presidente e seus filhos. Entre as declarações dadas por Moro no depoimento à PF está a de que Bolsonaro teria lhe dito "você tem 27 superintendências, eu quero a do RJ".

:: Entenda o papel de Moro na investigação de milicianos ligados à família Bolsonaro :: 

Lideranças do campo da oposição reagiram. "Bolsonaro deixou claro para o ex-ministro da Justiça o que queria: interferir na superintendência da Polícia Federal do Rio. Assim, poderia barrar investigações que avançam sobre seus filhos. Em vez de combater o crime organizado, como prometeu a seus eleitores, ele comete crime de responsabilidade por obstruir investigações, motivo pelo qual pressionamos por seu impeachment", disse o líder do PSB na Câmara dos Deputados, Alessandro Molon (RJ).

A ala petista também reagiu. Pelo Twitter, o deputado Rogerio Correia (PT-MG) disse tratar-se de uma “brigada de bandidos”. “E, enquanto isso, o povo sofre com pandemia e desemprego”, acrescentou.  A presidenta nacional do PT, Gleisi Hoffmann, destacou a falta de desfecho para o caso Marielle: “Por que Bolsonaro insiste tanto em controlar diretamente a PF do Rio, onde sua família e seus amigos milicianos atuam e são investigados? Quem mandou matar Marielle, Bolsonaro? Quem, Moro?”, questionou, pelas redes sociais.

O ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad (PT), candidato petista na eleição presidencial de 2018, comentou a novidade por meio de uma postagem das redes sociais. “Segundo Moro, Bolsonaro teria pedido uma das 27 superintendências da PF, justamente a do RJ. Nomeado novo diretor-geral da PF, amigo do amigo do clã, o superintendente da PF do RJ cai para cima e abre o caminho para Bolsonaro. Questionado, ele troca o ‘e daí?’ pelo ‘cala a boca’”, criticou o petista, ao citar outra reação do presidente mais cedo, quando o chefe do Executivo pediu que jornalistas calassem a boca por ter se incomodado com perguntas sobre o caso."

A deputada Talíria Petrone (PSOL-RJ) também se manifestou: “O depoimento de Moro deixa, mais uma vez, nítido que o presidente queria ter a Superintendência da Polícia Federal no Rio de Janeiro debaixo das suas asas. O que tem na PF do Rio que Bolsonaro quer tanto? Lembrando que o ex-ministro também é capanga dessa familícia”, criticou. 

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Inquérito

Atualmente investigadas em inquérito policial, as supostas intervenções do chefe do Executivo na PF são o ápice do conflito entre Bolsonaro e o ex-juiz. O caso é motivo de uma crise em movimento, que teve ainda outro Desdobramento de peso nesta terça-feira: o ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), autorizou novos depoimentos relacionados às denúncias.

Atendendo a um pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR), o magistrado liberou a oitiva de dez pessoas, incluindo três ministros de Bolsonaro, Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo), Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional) e Walter Braga Netto (Casa Civil). A deputada Carla Zambelli (PSL-SP), aliada de primeira hora do presidente, também deve ser ouvida. 

A PGR pediu ainda que sejam colhidos depoimentos de deis delegados federais. Entre eles, estão Maurício Valeixo, ex-diretor-geral da PF exonerado por Bolsonaro, e Alexandre Ramagem, nome que o chefe do Executivo tentou emplacar para o cargo, mas que foi vetado pelo Supremo a pedido do PDT. O motivo principal do veto foi o suposto interesse pessoal do presidente na indicação, uma vez que Ramagem é tido como homem de confiança da família Bolsonaro, que estaria interessada em barrar investigações da PF que atingem o clã.

Edição: Rodrigo Chagas