Os novos adeptos do messianismo local passam longe da caridade
Por Olímpio Rocha*
Na última segunda-feira, 27 de abril, a cidade de Campina Grande, famosa pelo Maior São João do Mundo, entrou novamente no noticiário nacional, dessa vez por motivos pouco nobres e festivos. Empresários locais, entre eles um pré-candidato a prefeito pelo PSL, Diretor da Câmara dos Dirigentes Lojistas, organizaram protesto contra o fechamento do comércio até 3 de maio, por força de Decreto do Governo Estadual, em razão da pandemia. Foram acusados de forçar comerciários a participar dos protestos, colocando a vida deles em risco e forçando-os a se ajoelhar nas calçadas e rezar pelo fim da pandemia, o que gerou imagens distópicas dignas do Conto da Aia, de Margaret Atwood.
Fato é que, em meados da década de 1970, “Borboletas Azuis” era como o povo de Campina Grande chamava os seguidores da seita criada pelo outrora próspero comerciante Roldão Mangueira, que, alegadamente inspirado pelo Padre Cícero, depois de ter falido seu comércio de algodão, se transmutou em profeta e criou a Casa Espírita Jesus no Horto, onde se reuniam seus fiéis para adoração ao divino, buscando uma vida sem posses, exclusivamente voltada à caridade.
Vestidos com longas saias brancas e capas cor de céu que pareciam asas (daí o apelido Borboletas Azuis), entre as rezas ao Padim e o cuidado com a Casa, acreditavam piamente que, em 13 de maio de 1980, um grande dilúvio atingiria a cidade, tal como aquele pelo qual singrou a Arca de Noé. Havia, inclusive, certo temor de que os seguidores de Roldão pudessem repetir o suicídio coletivo dos adeptos do famoso pastor Jim Jones, que ocorreu em 1978, em Indiana, nos Estados Unidos.Pois bem. A data passou e, para alívio geral, nem o dilúvio nem o suicídio coletivo aconteceram. Roldão, decepcionado, morreu poucos meses depois, dizem, por causa da fraqueza que abateu seu corpo em razão de rigoroso jejum auto penitente que se impôs por ter falhado na previsão de catástrofe fluvial.
A seita não durou muito depois disso mas hoje, quarenta anos depois, totalmente repaginada e capitalizada, parece ter ressurgido com força no Centro de Campina Grande, num formato um tanto mais macabro e “moderno”. Diferentes dos Borboletas Azuis originais, que andavam descalços e doavam seus bens e pertences à comunidade, os novos adeptos do messianismo local passam longe da caridade.
Portando seus chiquérrimos e abençoados sapatênis e smartphones, com jacarezinhos verdes bordados nas camisas de grife no lugar das borboletas azuis das capas rotas, resolveram fazer preces transmitidas em lives cheias de fé no capitalismo selvagem que prioriza o lucro em detrimento da vida. Diante de tanta indiferença à vida de seus funcionários e à população de Campina, a nós, campinenses, nos resta torcer para que o Deus dos likes, que nada deve ter de misericordioso, não mande o dilúvio no 13 de maio que se avizinha. De fome, o messias dos jacarezinhos verdes não morrerá. Tampouco se suicidará.
Perdoa-os, Roldão. Eles não sabem o que fazem!
Olímpio Rocha – Advogado, Professor Universitário, Membro do Conselho Estadual de Direitos Humanos da Paraíba.
Edição: Ítalo Piva