O cenário é muito, mas muito propício para uma tragédia imensa
Amigas e amigos, como sempre, espero que todos estejam bem de saúde física e mental nesse momento doido pelo qual o nosso país está passando. Nunca é demais lembrar: lavem bem as mãos. Se puderem ficar em casa, fiquem em casa. E se precisarem sair para trabalhar, sigam todas as recomendações das autoridades sanitárias. Essa doença não é brincadeira não.
Na última segunda-feira (27), durante a entrevista coletiva de técnicos do Ministério da Economia, o Secretário Especial de Produtividade, Emprego e Competitividade, Carlos da Costa, anunciou que um dos setores que deve retomar as suas atividades em breve será o futebol. Sim, amigos, o nosso velho e rude esporte bretão. De acordo com Costa, ainda não há uma data prevista para o retorno dos nossos campeonatos, mas garantiu que os protocolos de saúde serão respeitados.
“O futebol é um setor importante que precisa de apoio, mas a retomada será feita de forma controlada. Os jogos deverão voltar a portas fechadas, sem público, e seguindo protocolos. Queremos respeitar a vida das pessoas em primeiro lugar. Precisamos voltar a produzir” - afirmou Carlos da Costa.
Bom, essa afirmação deixa bem claro que o tom do governo federal mudou radicalmente. Tanto que CBF, presidentes de federações estaduais e clubes já começam a discutir a adoção de treinos individualizados e decretaram o fim das férias coletivas dos jogadores. A entidade que comanda o futebol brasileiro também já elaborou um protocolo para a retomada progressiva das atividades e deve distribuí-lo aos clubes nos próximos dias.
::Papo esportivo | Futebol é o que menos importa nesse momento::
No entanto, diante de tantas reuniões, videoconferências, determinações e afins, ninguém fez a pergunta mais básica de todas. Aquela que precisa ser respondida antes de se pensar em qualquer retomada de atividades esportivas:
E se algum jogador for contaminado pelo coronavírus nesse retorno do futebol? O que fazer? Qual é o plano caso isso aconteça? E se seus companheiros de time e adversários tiverem que se isolar? Volta-se com uma competição para paralisá-la novamente por tempo indeterminado?
Já comentei sobre isso uma vez e vou falar de novo, pessoal. Por mais que seja difícil ficar sem ele, futebol é o que menos importa nesse momento. Aliás, não deveríamos estar pensando nisso. Deveríamos estar discutindo as medidas de prevenção ao contágio da covid-19, como ajudar as pessoas que não têm acesso ao básico (incluindo água potável, sabão e álcool gel), na elaboração de medicamentos eficazes e na criação de uma vacina. É nisso que deveríamos estar pensando.
Ao mesmo tempo, também vale lembrar que jogador de futebol também é gente. Todos eles possuem família e amigos como eu e você. E todos eles podem contrair o coronavírus e contaminar outras pessoas. Acho que não precisa ser epidemiologista pra saber disso, não é?
Imaginem só um Flamengo x Vasco, ou um Corinthians x Palmeiras, um Grêmio x Internacional ou um Remo x Paysandu com portões fechados. A probabilidade de contaminação é altíssima. Não me refiro apenas aos 22 jogadores dentro de campo e aos árbitros, mas de todos os profissionais envolvidos na realização de uma simples partida de futebol. E isso sem mencionar a mobilização em torno do jogo. Ou você acha que não vai ter torcedor fanático quebrando a quarentena pra ver seu time na casa de um amigo ou no barzinho mais próximo?
::Papo Esportivo | Coronavírus não é principal culpado pela crise financeira dos clubes::
O cenário é muito, mas muito propício para uma tragédia imensa. De acordo com o Ministério da Saúde, na última terça-feira (28), o país registrou 474 mortes em apenas 24 horas. São 71.886 casos e 5.017 mortes no total. Fora os casos subnotificados e as mortes por “síndrome respiratória aguda grave”.
Amigo, não há como cogitar qualquer retorno do futebol e de qualquer atividade esportiva diante desses números e dessa situação que promete ficar ainda mais grave.
Mas o que mais irrita e machuca nessa discussão é o desdém, é o “e daí?”, é o “e eu com isso?” e o discurso de que “precisamos continuar produzindo”. Isso é coisa de gente mesquinha e canalha que pensa que encher a burra de grana é mais importante do que preservar vidas.
Não adianta reiniciar as competições se o isolamento social foi muito mal feito e desobedecido por gente que deveria ser exemplo para a sociedade. Não adianta se pensar em jogos com portões fechados se ainda não sabemos ao certo o tamanho da pandemia aqui no Brasil por conta da subnotificação. Não adianta cogitar qualquer retorno à “normalidade” enquanto os mais necessitados estão pagando o pato.
Qual vai ser o plano se algum jogador contrair o coronavírus nessa retomada? Vão permanecer jogando até o último time permanecer de pé e ser declarado campeão ou perceber a lambança e paralisar tudo de novo? Não há como se pensar em qualquer retorno de qualquer atividade se não temos nem onde enterrar nossos mortos.
Edição: Mariana Pitasse