A Justiça Federal determinou na última segunda-feira (27) que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) apresente em até 48 horas o resultado dos exames para a detecção de covid-19, realizados entre os dias 12 e 14 de março, depois de retornar de viagem dos Estados Unidos. Na época, mais de 20 membros da comitiva que viajou com o presidente tiveram resultado positivo para a doença causada pelo coronavírus.
A decisão da juíza Ana Lúcia Petri Betto, da 14ª Vara Cível Federal de São Paulo, que estabeleceu multa diária no valor de R$ 5 mil em caso de descumprimento, atende a um pedido do jornal "O Estado de S.Paulo". Na petição, o veículo alegou que Bolsonaro, em sua conta no Twitter, anunciou que os seus testes deram negativo sem, contudo, apresentar documento que atestasse o diagnóstico.
::Entenda os caminhos que podem levar ao impeachment de Bolsonaro::
Dias depois, Bolsonaro anunciou, também nas redes sociais, que havia realizado um novo exame, cujo resultado teria sido negativo. Mas novamente o presidente não divulgou a prova, mantendo em sigilo absoluto o respectivo relatório laboratorial. O jornal argumentou que diante da enigmática e injustificada resistência do presidente da República, sua equipe de reportagem vem tentando obter, sem sucesso, os laudos dos testes mencionados que confirmariam a veracidade daquela manifestação presidencial.
No último dia 17, a União apresentou manifestação combatendo o mérito da ação, sustentando que “não está obrigada a violar a intimidade do Exmo. Presidente da República”. Mas a juíza afirma que “no Estado Democrático de Direito, a publicidade é regra geral. O sigilo é a exceção. Com efeito, o titular do poder político é o povo, de modo que os órgãos estatais e agentes políticos devem esclarecer aos mandantes as questões de relevante interesse nacional”.
A juíza ressalta que estão previstos de forma expressa na Constituição Federal o direito fundamental de acesso à informação (art. 5º, XXXIII), sobretudo quanto à documentação governamental (art. 216, § 2º), o princípio da publicidade (art. 37, caput e § 3º, II) e, finalmente, o princípio republicano (art. 1º), fonte dos deveres de transparência e de prestação de contas.
Ana Lúcia destacou que a Constituição deixa claro que os casos de exceção se aplicam somente em duas hipóteses: aquelas que envolvam informações cujo sigilo é imprescindível à segurança da sociedade e do Estado e aquelas que versem sobre dados protegidos pelo direito à intimidade. “A presente demanda não objetiva uma devassa injustificável na vida privada do presidente, mas tão somente o acesso aos laudos dos exames relativos à covid-19”, afirma a magistrada na decisão.
::Artigo | Coronavírus evidencia falta dos médicos cubanos, por João Marcelo Goulart::
Segundo a juíza, no atual momento de pandemia que atinge não só Brasil, mas o mundo inteiro, os fundamentos da República não podem ser negligenciados, em especial quanto aos deveres de informação e transparência. “Repise-se que todo poder emana do povo, de modo que os mandantes do poder têm o direito de serem informados quanto ao real estado de saúde do representante eleito”.
Atos públicos
Durante o período de quarentena decretado por diversos estados brasileiros, Bolsonaro participou de atos públicos com aglomeração de pessoas, indo contra todas as recomendações de entidades de saúde, incluindo a Organização Mundial de Saúde (OMS). O presidente também se manifestou em entrevistas e redes sociais afirmando que a doença causada pelo coronavírus não passava de uma "gripezinha".
Desde o início da pandemia, 213 mil pessoas morreram em todo o mundo. O Brasil registrou até esta terça-feira (28) 4.555 mortes e 66.896 casos da covid-19. Ao contrário do que se afirmava no início da pandemia, a doença atinge também de forma grave pessoas mais jovens. A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) afirmou na semana passada que devido às subnotificações da doença (quando elas não são informadas a autoridades médicas e governos), o número de infectados no Brasil pode ser dez vezes maior que os números oficiais.
Edição: Eduardo Miranda