Foi lançado na última sexta-feira (26) no novíssimo serviço de streaming Apple TV+ o documentário sobre um dos grupos de Rap mais influentes da história, os Beastie Boys. Os três amigos: Adam Yauch, Adam Horovitz e Michael Diamond, judeus pobres do bairro do Brooklyn em New York, se conheceram ainda na época de escola através de encontros casuais em shows Punk de bandas como Bad Brains e Misfits. Ainda com a presença da baterista Kate Schellenbach, iniciaram suas aventuras musicais tocando Punk Rock (confira!). Sim, o Punk do final dos anos 70 dominava corações e mentes na NY do início dos oitenta. Mas não demorou muito pro Rap do Run-DMC tomar à frente na preferência dos três, ainda meninos, que deixaram Kate de lado para cair dentro do universo das rimas e batidas.
O primeiro passo na linha narrativa do filme mostra como os BB conseguiram fugir de uma posição análoga à de uma boy band (observação da minha companheira, acho que um fã como eu nunca teria percebido isso) nas mãos do ambicioso empresário Russell Simmons. O dono da Def Jam Records pretendia e conseguiu invadir a MTV usando rappers brancos, na onda de sucesso do disco de estreia “Licensed to Ill” (1986), para se tornar a força criativa que gerou o genial, porém comercialmente fracassado “Paul’s Boutique”. Mudanças de cidade, NY para Los Angeles. Mudanças de gravadora e produtores, e acima de tudo mudanças de comportamento. Os beasties passaram a ter vergonha do que haviam se tornado e Adam Yauch, aka MCA, foi o fio condutor da transformação que iriam viver nos anos seguintes.
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O filme retrata Yauch, falecido em 2012 aos 47 anos vítima de um câncer, como um misto de melhor-amigo-nerd-guru e ele era tudo isso e provavelmente muito mais. Adam Yauch viajou pelo mundo, conheceu e ficou amigo de Dalai Lama e se tornou um dos maiores apoiadores da causa tibetana nos Estados Unidos. Ajudando inclusive a organizar o festival beneficente Free Tibet, em 1996. MCA criou também a persona de um diretor de cinema suíço e excêntrico, alegadamente seu tio, e passou a cuidar de todo o aspecto visual do grupo. Ele foi responsável desde a emblemática foto da capa de “Paul’s Boutique”, até clipes como “Shake your rump”, “Intergalactic” e “Body moving”. Abrindo espaço mais tarde para a memorável cooperação com Spike Jonze no vídeos do hit “Sabotage”. Amigo de longa data, Jonze foi a escolha natural para a direção deste documentário. Você com certeza já viu algum destes vídeos, e se viu, nunca mais os esqueceu.
O roteiro tem como base a narrativa do livro “The Beastie Boys Book”, lançado no final de 2018 e foi realizado num formato bem diferente, chamado de live documentary. Ad-Rock e Mike-D fizeram a época do lançamento uma turnê contando as histórias do livro. Estas apresentações foram registradas e elas servem como base para o filme. O que se vê são dois amigos contando causos e histórias dessa amizade, da banda e paralelamente do que era a cena musical e artística de cada época. E o papo rola exatamente no espaço que eles dividiram por mais de 30 anos, o palco. O primeiro momento de virada para a banda surge com o amadurecimento musical e lírico do trio e desemboca no disco “Check your head”, de 1992. O álbum demorou quase três anos para ser concluído, os beasties foram além da criação através de samples, assumiram baixo, guitarra e bateria e contaram com a colaboração do produtor Mario Caldato Jr. nascido no Brasil, mas criado em LA.
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A decisão de fazer deste um filme sobre a relação dos três amigos e a partir disso narrar suas peripécias juntos como banda acaba ofuscando a importância de figuras como o próprio Mário Caldato, que por conta do trabalho com os beasties acabou voltando ao Brasil e produziu discos para Planet Hemp, Marisa Monte, Nação Zumbi entre outros. E do tecladista Money Mark, que acompanhou o trio desde seu segundo álbum até 2012. O filme trata sim dos processos musicais criativos, das parcerias, dos erros e acertos no business em torno da banda. Mas fica clara a escolha por uma abordagem que se aprofunda nas relações afetivas, nos processos de aprendizagem e que por fim humaniza as “bestas” em foco. É um filme com cheirinho do clássico da Sessão da Tarde “Conta comigo” (Stand by me, no original). São amigos que, como muitos de nós, viveram aventuras e amadureceram juntos. Os Beastie Boys tiveram a chance e o talento de registrar esse processo em discos e vídeos, criando assim um arsenal sônico e audiovisual que há décadas inspira meninos e meninas por todo o globo.
Dica: “Sinistro: eu filmei essa parada!”
A ligação da banda com seus fãs sempre foi um traço importante na carreira dos Beastie Boys e a materialização desta parceria aconteceu em 2006 com o lançamento do DVD ao vivo “Awesome, I Fuckin shot that!”. A ideia não poderia ter sido de outro senão do próprio MCA: 50 pequenas câmeras foram distribuídas pelo público e TODAS as imagens que se vê na edição final foram geradas pelas fãs, transportando de forma única o calor e a emoção do que foi essa tour da banda. Essa turnê passou pelo Brasil em 2005 e o show dos Beastie Boys segue até hoje sendo o melhor show que já assisti na vida.
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Edição: Vivian Virissimo