As mulheres são responsáveis por 75% do trabalho de cuidado não remunerado no mundo, informa relatório da organização não governamental Oxfam, divulgado em janeiro deste ano. Durante a quarentena, elas têm enfrentado desafios ainda maiores em decorrência da pandemia do novo coronavírus.
Com as escolas fechadas, os filhos em casa e a necessidade de continuar trabalhando, muitas delas enfrentam até jornadas quádruplas nesse cenário de isolamento.
A professora Camila Cristina Soares de Souza, mãe da Olívia, de 5 anos, e do Akin, de 3 anos, conta que é "praticamente impossível" não se sentir sobrecarregada. "O tempo todo a gente é requisitada pelas crianças e têm os afazeres domésticos, o trabalho, o estudo. Uma coisa que a gente tenta manter é uma rotina, pelo menos de horário para acordar, para comer e para dormir, para conseguir ter um pouco de sanidade mental, para aguentar, porque às vezes as coisas fogem ao controle.”
Ela está exercendo as funções profissionais em casa e afirma que a rotina de trabalho remoto tem demandado mais que o normal. “O meu maior desafio é ter um estado emocional tranquilo para que eu consiga atender as demandas que os meus filhos me colocam, sem explodir mesmo. O difícil é manter uma sanidade mental, porque tranquilo não tá”, desabafa.
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A administradora Gabrielle Lira de Souza, mãe da Sofia, de 9 anos, também está sentindo o peso do trabalho no espaço doméstico. “É bem complicado. Ela estava sem aula, e eu trabalhando. E tem aquela coisa: você está do lado da criança, mas ela não entende que você não está lá para brincar. Toda hora ela vem: ‘Me ajuda com a lição, eu tenho prova, me ajuda com essa questão'. É bem complicada essa adaptação”, afirma a administradora.
Gabrielle avalia que a condição de trabalho remoto acaba por impactar em maior carga horária. “Em casa a gente acaba trabalhando mais do que no escritório, porque fica um pouco sem horário. Você acaba se estendendo, almoçando do lado do computador. Como eu trabalho em uma empresa de e-commerce, a demanda aumentou bastante”, conclui.
Medos
Outro desafio é dar conta do medo trazido pela ameaça do vírus e explicar para as crianças o contexto da pandemia. “No momento, o que mais me preocupa é lidar com o invisível. O meu medo maior é a saúde do meu filho, dele precisar de um hospital e não conseguir atendimento. É um pouco difícil para ele entender. Nem os adultos entendem, imagine as crianças”, afirma a professora Letícia Barreto Guimarães, mãe de João Gabriel, de 3 anos.
Além de lidar com a sobrecarga no trabalho, os afazeres domésticos e os cuidados com as crianças, as mulheres são também as que mais perdem trabalho em momentos de crise, segundo o relatório da Oxfam.
Para essas mães, a questão da estabilidade financeira é uma dos temas de maior preocupação. “Eu, por exemplo, trabalho em escola particular, que depende do pagamento dos pais. E o meu marido não tem previsão de pagamento, a empresa está parada. Por sorte, ele não foi mandado embora, mas de 160 funcionários, 115 foram demitidos. Muitas famílias perderam o sustento,” afirma Gabrielle.
Outro ponto em comum entre as mães é a afirmação de que o momento é de solidariedade. “A gente tem que se ajudar porque vivemos em um país complicado, que ainda tem muito o que aprender. Se a gente tiver um pouco de bom senso, o mínimo de respeito ao próximo, já faz muita diferença”, aponta a professora.
Para Camila, a força coletiva, que vem da memória da superação de outras mulheres em tempos passados, é uma inspiração para os desafios atuais. “Sempre precisamos lembrar que nossas antepassadas passaram por períodos difíceis e que este é também [um desses períodos]. A gente vai dar conta, diante do possível. Amanhã a gente não sabe o que acontecerá, mas hoje vamos fazer o que é possível para o momento”, conclui.
Edição: Camila Maciel