No início desta semana, um fato inédito ocorreu na história do mercado mundial do petróleo. O petróleo norte-americano, do tipo WTI, caiu 289,4% no pregão da última segunda-feira (20), na Bolsa de Valores de Chicago. Com isso, pela primeira vez foi comercializado a -US$ 37, 63. Isso significa que produtores estão dispostos a pagar este valor por sua própria mercadoria para poderem aliviar os estoques.
Esse colapso, com consequências em toda a economia, resulta da diminuição mundial da demanda por petróleo causada pela pandemia da covid-19. Entre abril e maio, a redução prevista é de 23,3 milhões de barris por dia, o que vai aumentar ainda mais os estoques internacionais que hoje estão estimados em 160 milhões de barris.
Como não poderia ser diferente, esse movimento financeiro ocasionará impactos bilionários para o Brasil. Além da queda vertiginosa do preço internacional do barril de petróleo e do dólar sendo cotado acima dos R$ 5, a Petrobrás também anunciou o corte de 200 mil barris diários na sua produção.
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Esse cenário afetará a arrecadação da União, estados e municípios brasileiros. De acordo com estimativas realizadas a pedido da reportagem pelo especialista em energia, Paulo César Ribeiro Lima, a União poderá deixar de receber R$ 15,7 bilhões em royalties e participações especiais em comparação com o ano passado. Lima levou em consideração o barril do tipo Brent cotado, na média do ano, pela metade do valor de 2019, que foi de US$ 66 o barril.
Em meio ao Plano de Recuperação Fiscal, o estado do Rio de Janeiro poderá sofrer uma queda de R$ 10,7 bilhões na arrecadação em relação ao ano passado. Atualmente, estes recursos são destinados quase integralmente ao Fundo Único de Previdência Social do estado e, por essa contração prognosticada, podem comprometer pensões e aposentadorias.
Na sequência das unidades federativas campeãs em recolhimento proveniente do petróleo, São Paulo também cairá de R$ 3,8 bilhões para R$ 2 bilhões. Apesar de representar apenas 0,75% do orçamento de R$ 239 bilhões estadual para 2020, o montante poderia ser revertido em mais investimentos no combate ao coronavírus no território com maior incidência do país.
Líderes em arrecadação
Na legislação em vigor, os royalties funcionam como uma compensação financeira pelos impactos provocados pelo processo de extração de petróleo. Com isso, na atual legislação, os municípios produtores centralizam a maior parte dessas contrapartidas financeiras pagas pelas petroleiras.
Por mais de 40 anos, a produção brasileira esteve concentrada no pós-sal da Bacia de Campos, região que se estende do sul do Espírito Santo ao centro-norte do Rio de Janeiro. Símbolo desse período, o município de Macaé (RJ) foi apelidado de Capital Nacional do Petróleo. Nesta área, que foi responsável por 80% da extração nacional, também está localizado Campos dos Goytacazes (RJ).
Entretanto, com a descoberta do pré-sal em 2006, houve um deslocamento gradual dos investimentos da Petrobrás para a Bacia de Santos, concentrada entre o litoral sul do Rio de Janeiro e o norte de Santa Catarina. Em dezembro de 2017, pela primeira vez, a produção do pré-sal superou mais de 50% da produção nacional.
Esse movimento também modificou o ranking dos municípios campeões em recolhimento de tributos de royalties e participações especiais. Atualmente, os três primeiros da lista são abastecidos por plataformas de exploração do pré-sal e, na sequência, aparecem em declínio os antigos líderes do pós-sal. Juntos, concentram 43% dos royalties e participações especiais destinados aos municípios.
Desde março deste ano, os três primeiros colocados nesta classificação estão se destacando em políticas de seguridade social e de enfrentamento à pandemia do novo coronavírus Sars-Cov-2. Município líder, Maricá (RJ) destinou um montante de R$ 80 milhões para minimizar os danos socioeconômicos desse período.
Por meio do Programa de Amparo ao Trabalhador (PAT), a prefeitura está pagando um salário mínimo a até 26 mil trabalhadores informais, autônomos e Microempreendedores Individuais (MEIs) prejudicados pela pandemia. Maricá também anunciou aumento da linha de crédito para incentivo do comércio local, no qual 42 mil beneficiários receberão 300 Mumbucas (moeda de circulação local criada pela prefeitura) durante três meses. Por fim, também destinará 24,4 mil cestas básicas para cada estudante da rede pública de ensino.
Na sequência da lista, Niterói noticiou investimentos ainda mais altos para combater o coronavírus, que somam R$ 200 milhões. A Fundação Municipal de Saúde (FMS) abriu edital para contratação emergencial de 456 profissionais de saúde e disponibilizou 50 mil testes rápidos para profissionais de saúde e pacientes com sintomas leves. A prefeitura também criou o programa Empresa Cidadã, que pagará R$ 500 a MEIs durante os meses de abril, maio e junho. Além disso, também informou auxílio de um salário mínimo a trabalhadores informais e autônomos no mesmo período.
Terceiro colocado no ranking de arrecadação, o município de Ilhabela (SP) criou o Programa Emergencial Ilhabela Unida pelo Trabalhador, que destina um salário mínimo (R$ 1.045,00) e auxílio-aluguel de até R$ 960 a famílias de baixa renda, trabalhadores informais, funcionários de empresas que foram fechados por determinação governamental e MEIs.
Quarta colocada, a antiga Capital Nacional do Petróleo, Macaé, criou um vale-alimentação de R$ 200 para alunos da rede municipal e a aquisição de 15 mil testes para o coronavírus. Apesar da soma bilionária recebida nas últimas décadas, a cidade conta com um fundo de apenas R$ 180 milhões. No final do ano passado, a prefeitura suspendeu todos os processos licitatórios até que o Supremo Tribunal Federal (STF) vote sobre as distribuições de royalties.
Fechando o quadro, Campo dos Goytacazes parece repetir o cenário da sua vizinha Macaé, com iniciativas tímidas para a prevenção e combate à pandemia. Em parceria com a Universidade Estadual do Norte Fluminense (Uenf), manterá um laboratório para a realização de testes da covid-19. A prefeitura estima queda de 40% na arrecadação de royalties e participações especiais em relação ao ano passado.
Para Paulo César Ribeiro Lima, na maioria dos casos, os recursos são mal aplicados. “Campos dos Goytacazes é um exemplo de má aplicação. Mesmo que Niterói gerencie bem, acho um absurdo que alguns poucos municípios tenham receitas tão altas decorrentes da produção na plataforma continental”, opina.
Desenvolvimento regional
Uma ação conjunta das prefeituras de Maricá e Niterói se destacou nas medidas relacionadas ao coronavírus. Cada município destinou R$ 45 milhões para o governo do estado construir um hospital de campanha com 200 leitos no município vizinho São Gonçalo (RJ). Muito além de solidariedade, a iniciativa demonstra que a cooperação é essencial para o desenvolvimento regional.
De acordo com o economista Bruno Sobral, institucionalizar políticas regionais de utilização desses recursos é um aperfeiçoamento necessário na legislação. “Um grande avanço que a gente poderia ter nessa discussão do melhor uso é a criação de um fundo regional, dentro do próprio estado do Rio de Janeiro, por exemplo. Existem experiências nesse sentido, mas que dependem muito da iniciativa do gestor”, explica.
Opinião semelhante demonstra a socióloga e pesquisadora do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis Zé Eduardo Dutra (INEEP), Carla Ferreira. “O ideal seria que, pelo menos, uma parte destes recursos pudessem se constituir como uma reserva para momentos de instabilidade como este que vivemos. Além disso, que fossem priorizadas as despesas com investimentos e não que se privilegiasse despesas contínuas, como faz o estado do Rio de Janeiro, com o risco de passar por crises fiscais agudas como tem acontecido desde 2016”, afirma.
Impasse jurídico
Há sete anos o país vive um imbróglio que pode afetar, principalmente, as contas dos estados e municípios produtores de petróleo. Em 2013, a ministra do Supremo Tribunal Federal (STF) Cármen Lúcia concedeu liminar à Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.917, ajuizada pelo então governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral (MDB), com o objetivo de suspender a validade da Lei nº 12.734/2012, aprovada no ano anterior pelo Congresso Nacional. Com a decisão, permanece em vigor, desde então, a Lei nº 9.478, de 1997.
Entretanto, o julgamento da chamada Lei dos Royalties está previsto para ocorrer na próxima quarta-feira (29) no plenário do STF. Caso seja aprovada, a lei pode comprometer até 40% das receitas de royalties do estado do Rio de Janeiro e 80% dos municípios fluminenses. Uma petição assinada pelo governador do Rio, Wilson Witzel (PSC), datada na última quinta-feira (16), foi anexada aos autos do processo como pedido de adiamento da sessão. A ministra Cármen Lúcia ainda não se manifestou sobre o pedido.
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Pontos de vista diametralmente opostos aparecem em relação ao tema que será discutido pelo STF. Lima, por exemplo, defende a Lei dos Royalties. “É muito melhor que a legislação atual, apesar de também apresentar problemas. Ela vai promover uma distribuição mais justa dos recursos de royalties e participação especial decorrentes da produção na plataforma continental, onde não há território de estados e municípios”, palpita.
Na outra ponta de entendimento, Sobral analisa a Lei dos Royalties como uma irresponsabilidade. “Para mim, essa é uma tentativa de tratar um assunto que tem uma razão e um embasamento técnico como uma política distributiva geral. Por isso, essa tentativa de mudança da lei é bastante questionável, porque os royalties são uma forma de compensação. Não é um tributo, que você pode discutir em termos de uma partilha federativa. Essa lei pode ser a última estaca no caixão das finanças do Rio de Janeiro. O que poderia gerar impactos sociais incalculáveis, ainda mais no contexto agora do coronavírus”, alerta.
O economista avalia que a lei fere o direito adquirido, já que recalcularia contratos já estabelecidos. Além disso, em meio à crise fiscal, o estado do Rio já empenhou receitas futuras para buscar financiamentos internacionais. “Se você alterar isso, vai mexer e quebrar todos esses contratos. E levando, então, a um impacto real nas finanças atuais do estado”, explica Sobral.
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Na opinião da socióloga Ferreira, uma partilha igualitária desses recursos pode subverter o objetivo original proposto a eles. “Uma redistribuição entre os mais de cinco mil municípios brasileiros e todos os estados significará pequenos valores para cada um dos novos beneficiários. Como não há controle em relação a estes gastos, apesar de haver indicações de boa prática, provavelmente os entes utilizarão os recursos em gastos correntes, conforme já ocorre com a maioria dos beneficiários hoje, e isso contraria o pressuposto deste recurso que, além da minimização dos impactos, pretendia promover uma justiça intergeracional, através de gastos com investimentos duradouros, já que o recurso é finito. Desta forma, o impacto da redistribuição pode ser diluído em despesas correntes gerais e não representar grandes investimentos”, pondera.
Fonte: Sindipetro Unificado - SP
Edição: Mariana Pitasse