América Latina

Como a Argentina está enfrentando o coronavírus?

Há um mês do decreto da quarentena obrigatória, medidas adotadas pelo governo são consideradas referência na região

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
Outdoor com a mensagem "Cubra a boca" em Buenos Aires, onde o uso de máscaras em supermercados, farmácias e transporte público é obrigatório - Juan Mabromata / AFP

A pandemia causada pelo novo coronavírus chegou aos países da América Latina entre o final de fevereiro e começo de março. Embora a chegada do vírus fosse prevista na região, a maioria dos países sul-americanos enfrentam dificuldades para combater a crise sanitária.

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Em um cenário regional complexo, a Argentina, governada pelo presidente Alberto Fernández, da Frente para Todos, tem despontado como uma referência por decretar rapidamente a quarentena obrigatória, em 20 de março, além de oferecer respostas nos níveis econômico e social para enfrentar a pandemia.

Nesta segunda-feira (20), a quarentena obrigatória completa um mês. A eficiência do decreto de isolamento obrigatório só foi possível junto com as medidas anunciadas por Fernández, levadas a cabo por seu gabinete, sobretudo os ministérios da Economia e do Desenvolvimento, que asseguraram a interrupção das atividades econômicas aliada à garantias para os micro e pequenos empresários, para a população de baixa renda, aposentados e grupos de risco.

Entre as medidas decretadas, destacam-se auxílios para evitar o aprofundamento da fome e da miséria em um país afetado pela recessão econômica, bem como medidas de proteção ao trabalho e aos trabalhadores, além do investimento na produção de suprimentos de saúde e uma política de congelamento de preços de itens básicos para o enfrentamento à pandemia.

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Outro decreto governamental suspendeu cortes de energia elétrica, água, gás encanado, telefone fixo, móvel e internet por falta de pagamento. Esta medida é válida por 180 dias, para aposentados, desempregados, micro e pequenos empreendedores, instituições de saúde públicas e privadas e entidades que colaborem na distribuição de alimentos durante o período de emergência alimentar, entre outros. Despejos também foram suspensos e o preço do aluguel congelado.

No âmbito do combate à fome, o governo ampliou a distribuição do cartão alimentar, destinado às mães e pais com filhos de até seis anos, que recebem o auxílio AUH (Assignação Universal por Filho, na sigla em espanhol), à mulheres grávidas e pessoas com deficiência.

Para minimizar o impacto econômico da crise e proteger “a produção, o trabalho e o abastecimento”, o Ministério da Economia decretou a isenção dos encargos patronais aos setores mais afetados pela pandemia e o aumento de 40% do orçamento destinado a obras públicas.

O país também proibiu demissões e suspensão ou diminuição de contratos por 60 dias. Uma das medidas mais recentes do governo argentino foi a criação de um fundo para espaços culturais, setor da cultura, junto com o do turismo, um dos mais afetados com a quarentena obrigatória, com pagamento de subsídios de até 30 milhões de pesos.  

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Medidas sanitárias

No que se refere ao combate à propagação do novo coronavírus no país, o governo de Fernández estabeleceu preços máximos para suprimentos básicos recomendados para ajudar a evitar o contágio, como máscaras faciais e álcool gel. Também foram suspensas as taxas de importação para suprimentos críticos na área de saúde, como álcool, materiais de laboratório e de farmácia, luvas e desinfetantes como forma de ampliar o abastecimento nacional.

Também foi criado um programa de apoio para a produção de suprimentos, equipamentos e tecnologias de saúde, com orçamento voltado para o desenvolvimento de produtos e financiamento de pesquisas que possam contribuir para conter e tratar a covid-19.

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Na província de Buenos Aires, que concentra 60% dos casos de covid-19 no país, com 1.792 casos, é obrigatório utilizar máscaras faciais nos meios de transporte públicos, comércios e bancos, sob pena de multa em caso de descumprimento.

Com estas medidas, e a declaração de uma quarentena considerada “prematura” – por ter sido decretada com um número pequeno de casos – o país latino-americano conseguiu achatar a curva de contágio do coronavírus e adiar o pico da covid-19 no país, que concentra 2941 casos de coronavírus, com 136 mortes.

Segundo a médica infectologista Ángela Gentile, que integra o comitê de especialistas formado durante a crise sanitária, pode-se dizer que a curva foi achatada porque, nos primeiros dias, o número de casos dobrava a cada dois ou três dias e agora dobram a cada dez.

Gentile, em entrevista ao Infobae, comentou que a quarentena está oferecendo “bons resultados” e um dos indicadores do êxito da medida se deve a ter possibilitado “achatar a curva, ganhar tempo e permitir que o sistema de saúde se preparasse [para atender os pacientes com covid-19]”.

"Com a quarentena, ganhamos saúde e vidas. Se tivéssemos seguido a conta inicial, teríamos 45 mil casos e mais de mil mortos", afirmou o presidente argentino, Alberto Fernández, em um balanço parcial de seu decreto durante uma entrevista concedida à Telefe.

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Nem tudo são louros…

As medidas decretadas pelo governo de Fernández durante o último mês também revelaram a persistência das desigualdades sociais na Argentina, aprofundadas após quatro anos da gestão de Maurício Macri.

No dia 4 de abril, os bancos reabriram após duas semanas de fechamento, e uma grande quantidade de argentinos passaram horas aglomerados em filas, dentro e fora das agências bancárias do país, para conseguir sacar aposentadorias e os auxílios emergenciais decretados pelo governo, o que contraria as recomendações de distanciamento social da Organização Mundial da Saúde (OMS).

Diante da exposição, que evidenciou o desespero de centenas de cidadãos, o governo exigiu a abertura das agências nos finais de semana e a ampliação dos horários de atendimento.

Como forma de fazer valer o isolamento obrigatório, o governo ampliou o policiamento nas ruas do país, com uso das forças de segurança nacional, para restringir a circulação de pessoas. No entanto, movimentos e associações comunitárias do país têm denunciado o aumento dos abusos policiais em meio à pandemia, sobretudo nas comunidades mais pobres e nas regiões em que a população de rua se concentra.


Pessoas se aglomeram em frente às agências bancárias na Argentina para poder sacar aposentadorias e auxílios após fechamento dos bancos por duas semanas / Juan Mabromata/AFP

Imagens e vídeos revelados pelo jornal argentino Página12 mostram policiais disparando balas de borracha e de chumbo, agredindo pessoas em situação de rua, e obrigando jovens detidos a “dançar” ou caminhar de joelhos enquanto eram filmados, entre outras violências.

Reabertura parcial

A quarentena iniciada em 20 de fevereiro, foi estendida mais duas vezes. Primeiro, até 12 de abril e, posteriormente, até o próximo domingo, dia 26, quando o governo e especialistas se reunirão para analisar os próximos passos necessários para o combate à pandemia.

Após um mês de isolamento obrigatório, nesta segunda-feira (20), o governo argentino estabeleceu algumas exceções e flexibilizou a suspensão de atividades. A partir de hoje, serão retomadas as consultas médicas e odontológicas não emergenciais, e as atividades de laboratórios médicos, caixas eletrônicos e alguns comércios.

O decreto publicado nesta segunda-feira estabelece ainda a reabertura dos serviços de atendimento à mulheres vítimas de violência de gênero.

Segundo um relatório divulgado pelo Observatório de Feminicídios “Adriana Marisel Zambrano”, em um mês de quarentena, aconteceram 22 feminicídios no país, e nos primeiros dez dias de isolamento, o número de ligações para a Central de Atendimento à Mulher cresceu 39%.

Edição: Rodrigo Chagas