O bolsominion vai às ruas em nome do patrimonialismo de um absolutismo em que Bolsonaro é o rei
Cresci em uma comunidade onde serviço mal feito era “serviço de negro”. Mulher que não era submissa ao homem era “puta”. Homem podia amar ou fazer sexo fora do casamento. Mas não a mulher, pois o lugar dela era na cozinha.
Não lembro que idade eu tinha quando segurei uma arma pela primeira vez, mas com certeza eu mal aguentava o peso do equipamento. Eu tinha uns 10 anos quando aprendi a atirar. Andar armado fazia parte da etiqueta de um macho de verdade.
Nesse mundo idealizado - que prospera até hoje -, macho de verdade não chora. O único medo que tira o sono desse tipo é ser “traído” ou sentir afeto por outro homem.
Por isso, invariavelmente, um menino submetido a esse tipo de criação se torna uma pessoa afetivamente violenta. Precisa matar, a qualquer preço, a afetividade em si, talvez o feminino em si. Para isso, subjuga a mulher à condição de coisa e foge do falo alheio como o diabo foge da cruz.
Ainda existe, em muitos lugares, essa visão de mundo racista, misógina e brutalmente violenta com as relações de gênero.
Na parte que me toca, o que me salvou, eu acho, foi o fato de que eu não sabia jogar bola. Nem como goleiro me queriam. Então, meu tempo era com as meninas da escola.
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Com elas, aprendi a ser amoroso, gentil e a ter afeto pelo outro, independente de gênero, raça ou classe social. Humanizei o macho violento, homofóbico e misógino no qual tentaram me transformar.
As mulheres me ensinaram a sentir. Aprendi a amar e a chorar. Amor platônico, amor aristotélico, amor de Cristo. Aprendi muito cedo todas as formas de amar, inclusive a compaixão. Aprendi a força do perdão. Como nenhum cenário é perfeito, confesso que só entendi tudo isso depois de anos e anos de terapia.
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O bolsominion que não ama
Conheço o espírito de um bolsominion que não sabe amar, desde antes de inventarem o bolsonarismo. O bolsominion que não sabe amar é herdeiro da herança formadora do patronato brasileiro, no qual o público é exercido como se fosse privado, em defesa dos interesses de poucos, “a elite”.
O bolsominion que não sabe amar faz carreata pela volta da “normalidade”, que de fato é uma normatividade onde cadáveres podem ser empilhados em nome da preservação das coisas como devem ser: o patronato se apropriando da vida dos mais vulneráveis, tendo à frente os operários assalariados e informais.
O bolsominion que não sabe amar vai às ruas em nome do patrimonialismo típico de um Estado absolutista, onde Bolsonaro, o monarca, o mito, exercerá o poder em nome deles e para eles.
::Artigo | O navio dos ensandecidos, por Jorge Folena::
É uma bad trip digna de viagens altamente alucinadas. Alguém precisa avisá-los que o monarca não ama mais ninguém, apenas a si mesmo e à própria dinastia.
Vida longa aos que estão em quarentena, pelo outro, por si e pelo Brasil.
Edição: Rodrigo Chagas