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Quase 70% dos profissionais da saúde não receberam treinamento para covid-19 no país

Levantamento nacional mostra que capacitação está limitada aos gestores; BdF entrevistou coordenadora da pesquisa

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

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Lançado em 31 de março no Brasil, o mapeamento já conta com 1.125 questionários respondidos - Thierry Zoccolan/AFP

Cerca de 69% dos trabalhadores da área da saúde no Brasil não receberam treinamento para atender pacientes com suspeita de coronavírus, o que envolve cuidados pessoais e protocolos da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e da Organização Mundial da Saúde (OMS). 

O dado é de um levantamento feito pela Internacional dos Serviços Públicos (ISP), no âmbito da campanha “Trabalhadoras e Trabalhadores Protegidos Salvam Vidas”, da mesma entidade, que tem por objetivo ajudar sindicatos do mundo todo a evitar a precarização do trabalho de profissionais de áreas essenciais. 

Responda à pesquisa aqui.

Em entrevista ao Brasil de Fato, a secretária sub-regional da ISP no Brasil, Denise Motta Dau, informou que os dados do levantamento estão sendo devolvidos aos sindicatos de onde são os trabalhadores que responderam à pesquisa a fim de pressionar “empregadores e gestores para que essa situação seja alterada”.  

O estudo mostra que apenas 30% dos profissionais de saúde receberam algum tipo de capacitação. “O que eles têm falado para nós é que a capacitação para o atendimento a pacientes com suspeita de coronavírus ou com confirmação está nos gestores ainda, ou seja, ainda está no nível de gestão, ainda não chegou para quem está na ponta dos serviços, atendendo à população”, afirma Denise Motta Dau. Confira a entrevista na íntegra.

Brasil de Fato: Qual é o alcance da campanha e do levantamento iniciados pela Internacional dos Serviços Públicos (ISP)?

Denise Motta Dau: A campanha é feita pela Internacional dos Serviços Públicos (ISP), uma confederação sindical global, e está sendo feita mundialmente. Porém, no Brasil, nós, além de desenvolvermos a campanha com esse eixo “trabalhadoras e trabalhadores protegidos salvam vidas”, nós incluímos um questionário em que o trabalhador responde a 16 perguntas sobre as condições de trabalho. 

O trabalhador e a trabalhadora respondem se têm Equipamentos de Proteção Individual (EPI); qual é a jornada de trabalho realizada; caso tenham equipamentos, se são suficientes para troca higienizada, como recomenda a Organização Mundial da Saúde (OMS); se esse trabalho tem um vínculo de trabalho precário, se é servidor público, terceirizado, temporário, voluntário. Essa campanha, no Brasil, foi lançada no dia 31 de março e já temos 1.125 questionários respondidos. 

Esse questionário pode ser respondido por qualquer trabalhador que seja de uma área essencial, não necessariamente só da saúde, certo?

Sim, porque o próprio questionário, na hora que faz a pergunta "Você é trabalhador da saúde?", dependendo da resposta, automaticamente, dirige a pessoa que está respondendo para uma outra área. E aí esse trabalhador pode ser de outros setores essenciais, como sistema prisional, assistência social, água e energia, limpeza e conservação e demais setores, funerárias, cemitérios, que precisam ficar em funcionamento durante a pandemia de coronavírus. 

De quais regiões são esses trabalhadores que responderam o questionário até o momento?

Esses trabalhadores são a maioria de São Paulo. Nós tivemos 454 trabalhadores do estado de São Paulo, 193 do Ceará, 64 do Rio de Janeiro e 55 de Minas Gerais. Então os estados onde houve mais respostas são estes quatro primeiros, mas há diversos outros estados que nós tabulamos e para os quais estamos divulgando. 

Acho que um dado importante e surpreendente é que a maioria dos trabalhadores, cerca de 67%, por exemplo, tem luva no local de trabalho, e 73% têm álcool em gel, ou seja, a maioria tem álcool em gel e máscara. Agora em 11% dos locais não há nenhum tipo de EPI. Em 51% dos locais há máscara, isso significa que 49% desses locais não tem nem máscara. Agora, 67% responderam que a quantidade desses EPIs fornecidos não é suficiente, diante de 33% que disseram que é suficiente. 

Uma outra resposta surpreendente é que 69% falam que não passaram por treinamento para atender pacientes com suspeita de coronavírus, que é uma pergunta específica para os profissionais de saúde, que envolve cuidados pessoais, protocolo da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) etc. E apenas 30% falam que receberam, o que dialoga com os profissionais de saúde têm falado para nós, que a capacitação para o atendimento a pacientes com suspeita de coronavírus ou com confirmação está nos gestores ainda, ou seja, ainda está no nível de gestão, ainda não chegou para quem está na ponta dos serviços atendendo à população. 

E também para os trabalhadores em geral, não só na saúde, 77% falam que não. Então não só os profissionais da saúde não receberam treinamento. É uma minoria que recebeu, no caso 30%, como também esses profissionais desses serviços essenciais que estão em funcionamento, 21% somente disseram que receberam. 

Esses dados demonstram uma precarização para os trabalhadores tanto da área da saúde, como de outras áreas essenciais. Diante desse cenário, qual é o objetivo desse levantamento? Para onde vão levar esses dados?

Nós estamos devolvendo para os sindicatos de onde são os trabalhadores que responderam a essas perguntas, para que pressionem esses empregadores e gestores e para que essa situação seja alterada. 

Inclusive, a enquete está levantando que 55% das pessoas que estão trabalhando nos serviços essenciais estão sofrendo psicologicamente, estão tendo algum tipo de sofrimento psíquico. Isso porque há uma jornada exaustiva, uma boa parte trabalhando 12 horas por dia, não há EPI suficiente, com 11% dos locais dizendo que não há nenhum EPI. Os trabalhadores estão colocando a própria vida em risco, há vida de pacientes em risco. Eles ficam bastante abalados psicologicamente, porque estão em uma situação insegura, como também quem está sendo atendido. Isso traz um sofrimento psíquico.

A ideia, então, e nós já estamos fazendo isso, é enviar para os sindicatos a origem dos locais de trabalho dessas pessoas que respondem às perguntas para que os sindicatos façam pressão e negociação para reversão da situação. Por isso, inclusive, a gente está deixando o questionário aberto, para ver se houve uma evolução

Então não tem uma data para fechar esse questionário por enquanto?

Ele está em aberto e as trabalhadores e trabalhadoras podem acessá-lo pelo site trabalhadoresprotegidos.com.br. A ideia é ir orientando, inclusive, informando as entidades sobre a situação internacional e os cuidados que se deve ter do ponto de vista dos EPIs, capacitação, negociações coletivas que têm avançado nos outros países. 

Como somos uma entidade internacional, nós acompanhamos as negociações coletivas das entidades sindicais em outros países. Então, por exemplo, a Federação dos Trabalhadores em Saúde da Argentina conquistou a vitória de que coronavírus passa a ser, para os profissionais de saúde, uma doença do trabalho. A campanha, além de fazer esse diálogo diretamente com os trabalhadores de serviços essenciais, vai fomentando, alimentando informações e estimulando que negociações similares sejam feitas e avancem para as categorias no Brasil. 

A senhora comentou que esses dados serão levados aos sindicatos. Os dados também serão levados para o poder público?

Muitos sindicatos estão já buscando desenvolver ações civis públicas para garantir EPIs, liderar trabalhadores que estão no grupo de risco... Uma série de ações está sendo feita, a nossa expectativa é que os resultados da enquete ajudem a sustentar a argumentação da entidades sindicais, sejam as que já estão em curso, seja para novas ações judiciais. 

Edição: Camila Maciel